segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Artigo no Expresso de 8 de setembro de 2018



https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2393/html/economia/temas/ferrovia-e-a-prioridade



Investimento público

PNI 2030 - Governo deve apostar nas linhas de comboio que levam as mercadorias portuguesas à Europa, dizem os empresários
Ferrovia é a prioridade
Texto Joana Nunes Mateus e Pedro Lima 

Quais os investimentos públicos estratégicos que o país deve lançar na próxima década, com o apoio dos fundos europeus do Portugal 2030, o próximo quadro comunitário para 2021-2027?

Agora que o Governo está a definir o futuro Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030), o Expresso perguntou aos exportadores portugueses que projetos devem constar dessa lista que o Governo pretende submeter, até ao final de 2018, à apreciação do novo Conselho Superior de Obras Públicas e à aprovação do Parlamento.

Investir a sério na competitividade das ligações ferroviárias de Portugal à Europa é a resposta mais consensual entre os empresários, que já perceberam que têm de trocar rapidamente o camião pelo comboio, dada a saturação das autoestradas europeias e as crescentes pressões ambientais e energéticas sobre os custos do transporte rodoviário.
Aliás, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e mais recentemente a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), já alertaram o Governo para o impacto dramático que a ausência de soluções para o transporte terrestre de mercadorias pode ter num país que exporta mais de três quartos dos seus produtos para os mercados europeus. Em causa estarão os empregos, os salários, as pensões dos portugueses se as exportadoras não conseguirem sobreviver ou tiverem de se deslocalizar (ver texto ao lado).

O que dizem as associações:
Um novo corredor ferroviário Aveiro-Vilar Formoso, construído de raiz, em via dupla e em tudo compatível com as redes espanholas e europeias, para que a longo prazo os nossos produtos e mercadorias tenham uma alternativa à rodovia”, é o primeiro projeto de investimento que deve constar do PNI 2030. 
Quem o diz é Tomás Moreira, o presidente da AFIA, que representa 220 fabricantes de componentes automóveis do país, o equivalente a 14% das exportações de bens, 7% do emprego industrial e 5% do PIB português. A AFIA defende ainda o investimento público na criação de uma rede de terminais logísticos intermodais de baixo custo estrategicamente localizados e na interligação eficaz entre as vias rodoviárias, a rede ferroviária, os portos de mar e os terminais logísticos.
Além de prosseguir a modernização e o aumento da capacidade dos portos nacionais, com particular enfoque em Leixões e Sines, o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) quer investimento público nas “principais linhas ferroviárias de ligação a Espanha, resolvendo definitivamente a questão da bitola europeia, que tem sido um constrangimento temporal e financeiro lesivo da competitividade das nossas exportações”. Para o representante desta que é a maior fileira exportadora nacional, “tendo em conta que somente 4% das mercadorias para Espanha são movimentadas por via ferroviária, facilmente se percebe que há aqui uma enorme oportunidade, até porque a rede rodoviária pode perder competitividade e os custos energéticos e ambientais têm um peso crescente”. E alerta: “Está previsto que venha a haver a curto prazo barreiras muito fortes à passagem de transportes rodoviários pesados pelo País Basco. O escoamento de mercadorias portuguesas para o resto da Europa poderá ficar comprometido, se não houver, entretanto, uma aposta forte no transporte ferroviário”.

Para o diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Paulo Vaz, é prioritário “o investimento no alargamento do Porto de Leixões, de forma a tornar, ainda mais eficiente e económico, o escoamento de mercadorias por via marítima na região Norte, onde se localizam as indústrias transformadoras mais importantes, podendo competir, tal como foi feito com a infraestrutura aeroportuária, com os portos do sul da Galiza”. Outra prioridade é “apostar no prolongamento do AVE espanhol da Galiza ao Porto, assentando nesta linha a sua expansão para Lisboa e a meio do trajeto uma derivação para a fronteira espanhola e Madrid, de modo a não isolar Portugal da rede de alta velocidade europeia”.
Uma solução para o aeroporto de Lisboa é outra prioridade referida por estas associações.

O que pedem os exportadores
Uma das grandes exportadoras nacionais que se está a virar para a ferrovia é a Siderurgia Nacional, hoje Megasa. Em resposta ao Expresso, considera prioritário “o investimento na modernização das ligações ferroviárias a Norte e a Sul para Espanha, ao nível da tração e pendentes, permitindo igualar a carga máxima de 1400 toneladas existente em Espanha, isto é, mais 40% comparando com as 1000 toneladas possíveis em Portugal”. Em concreto, refere a construção da ligação ferroviária a Espanha pelo Sul — ligação Évora-Caia-Badajoz — e a eliminação dos constrangimentos nas ligações ferroviárias aos portos de Leixões e Setúbal. A ponte Seixal-Barreiro e a realização dos trabalhos previstas nos acessos à A41, na Maia, são outros investimentos públicos a considerar no PNI 2030.
Fonte oficial da Volkswagen Autoeuropa refere que “a modernização da rede ferroviária nacional, o reforço da competitividade dos portos nacionais ou a manutenção e reparação adequada das vias que fazem o last mile entre as redes viárias e os polos industriais — como é o caso da variante que serve a Volkswagen Autoeuropa e cujo estado de degradação dificulta a operação dos mais de 300 camiões que diariamente a utilizam — deverá ser encarada como uma prioridade no novo quadro de fundos comunitários”. 
Para esta empresa que vale cerca de 1% do PIB português, também é importante considerar a implementação, a curto/médio prazo, de uma rede de abastecimento para mobilidade elétrica capaz de corresponder ao aumento expectável na procura de carros elétricos. “Os ambiciosos objetivos de redução de emissões de CO2 (30% até 2030) que Bruxelas se prepara para legislar têm de ser acompanhados pelo investimento público em infraestruturas de fornecimento. A União Europeia estima que até 2025 seja necessário dotar o espaço europeu de cerca de dois milhões de postos de abastecimento, valor que contrasta com os atuais cem mil. Se Portugal quiser estar na vanguarda da mobilidade elétrica, este é um investimento que não pode ser descurado”, acrescenta a Autoeuropa.

A Repsol é outra das grandes exportadoras que aceitaram o repto do Expresso e considera que “a ligação ferroviária para a Europa a partir de Sines, a sua futura competitividade e a competitividade do porto de Sines poderão ajudar-nos a sermos competitivos nos mercados externos”.

Já a Continental Mabor lista quatro prioridades. Primeiro, a garantia de que a alternativa à EN14, estrada que liga o Porto a Famalicão, seja terminada com todos os acessos que estão prometidos. Depois que se aproveite mais o aeroporto do Porto, ampliando-o se necessário, garantindo mais voos diretos internacionais. O porto de Leixões também deve ser modernizado e reforçado. A empresa defende ainda que se faça na região de Famalicão um terminal ferroviário.

ORÇAMENTO:
Há que investir €1000 milhões todos os anos
Portugal deve fazer um esforço de investimento anual na ordem dos €1000 milhões na ferrovia para não ficar isolado da Europa. Em números redondos, serão €600 milhões do Orçamento do Estado mais €400 milhões do orçamento europeu, entre fundos comunitários do Portugal 2030 e fundos do Mecanismo Interligar Europa (CEF). Devem servir para o país investir sobretudo na construção da nova rede em bitola europeia (com carris que distam entre si 1435 mm) e na segurança da rede existente em bitola ibérica (1668 mm), para evitar descarrilamentos e substituir carruagens obsoletas. As contas são de Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico, que tem trabalhado no tema da ferrovia com o Conselho da Indústria Portuguesa da CIP. Ao Expresso refere que o próximo quadro comunitário deve reservar entre 2,5 a €3,5 mil milhões para a ferrovia pois o PNI 2030 “é a última oportunidade para corrigir os erros do passado”. 
Para se investir a sério na ferrovia em bitola europeia, este professor até prefere que o Governo lhe aumente menos o ordenado. É que sem este esforço orçamental, a competitividade do país e logo os salários e as pensões dos portugueses estarão todos condenados a prazo. “Prefiro que me aumentem menos o ordenado no curto prazo, mas que os aumentos continuem de forma sustentada no tempo, do que ter um grande aumento agora e a seguir perder tudo. As reposições de rendimentos dos últimos anos não são sustentáveis se as políticas não se alterarem. A competitividade das nossas trocas comerciais com a União Europeia, baseada na rodovia, não é sustentável”.
J.N.Mateus.

Empresários alertam para o risco de deslocalização:
Sem alternativa ferroviária competitiva para escoarem as suas mercadorias há exportadoras que podem ter de abandonar o país

Os empresários portugueses não estão a poupar nas palavras para convencerem o Governo a apostar neste grande projeto de investimento público para a próxima década: a construção de raiz da nova linha Aveiro-Salamanca, em via dupla e numa bitola que evite transbordos, para assim potenciar o transporte competitivo das mercadorias fabricadas pela indústria portuguesa para o norte de Espanha e para os mercados europeus além dos Pirenéus.
O mais recente grito de alerta veio da associação dos fabricantes para a indústria automóvel (AFIA). Dizem que o Governo não pode mesmo perder a oportunidade de inscrever no Portugal 2030 os fundos necessários à construção da nova linha Aveiro-Salamanca: “Se isso não acontecesse, estaria a cometer-se um atentado contra a nossa economia, pois a médio prazo condenaríamos as nossas empresas a um isolamento ferroviário com consequências fatais para o seu desenvolvimento e para a sobrevivência da indústria automóvel em Portugal”, diz o presidente da AFIA, Tomás Moreira.

Há um ano, já o Expresso publicara em primeira mão o manifesto de dezenas de empresários, gestores e investigadores “Portugal, uma ilha ferroviária na União Europeia” promovido por Henrique Neto e Eugénio Sequeira. E no início deste ano, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) voltou à carga num documento de reflexão sobre o futuro da indústria nacional coordenado por Mira Amaral (ver caixa).
Como explica a AFIA, o problema é que os custos dos camiões se estão a agravar sem que exista uma alternativa para escoar as exportações portuguesas por comboio: “As empresas utilizam hoje em mais de 90% a via rodoviária e, em reduzida escala, as vias marítima e aérea. O volume transportado por via ferroviária é insignificante ou mesmo nulo, não sendo hoje uma opção real, devido à total imprevisibilidade de prazos, particularmente crítica nos fornecimentos à indústria automóvel, mas também devido às velocidades ridiculamente baixas, reduzidíssima frequência de circulação, preços pouco competitivos, transbordos com elevados custos e demoras, a que devemos acrescentar a tradicional falta de sensibilidade e agressividade comercial dos principais operadores”.
A CIP divulgou este ano os resultados do inquérito que lançou ao tecido empresarial português, em 2016, precisamente sobre este tema. As respostas são muitas e revelam o impacto que a falta de uma ferrovia competitiva terá na economia portuguesa, quando as autoridades espanholas e francesas começarem a restringir o tráfego rodoviário de mercadorias de longo curso entre os dois países.
“As empresas portuguesas que quisessem continuar a exportar inevitavelmente teriam que deslocalizar a sua produção”, foi a resposta da Renova. “Para este cenário, claramente que a alternativa seria uma deslocalização da produção para outros países da Europa, pondo em causa 600 postos de trabalho”, respondeu a Preh Portugal.

A fileira metalúrgica (AIMMAP) destaca a “forte possibilidade” de deslocalização e a fileira do calçado (APICCAPS) concretiza que a migração da produção de calçado para Itália, para outros países do leste da Europa ou mesmo para a Ásia “seria o caminho natural”. Este risco também é destacado por várias outras associações sectoriais e regionais, desde a indústria da fundição (APF), aos empresários do Minho, à Associação Empresarial de Portugal ou ao Conselho Empresarial do Centro.
Os empresários da Guarda alertam para as multinacionais que irão “procurar novos mercados para instalar a sua produção”. A indústria naval reitera o “sério obstáculo à atração ao investimento estrangeiro em Portugal” enquanto a Siemens confirma que a capacidade de atração de investimento “seria mais reduzida”. “Um desastre” dizem as empresas de Águeda (AEA) enquanto os exportadores de Aveiro (AIDA) “correm um risco sério de sobreviver”.

A Volkswagen Autoeuropa também respondeu ao inquérito: “Qualquer cenário em que todas as alternativas de transporte terrestre para o centro da Europa sejam pouco competitivas será necessariamente mau para a competitividade da empresa”.

É a já a 13 de setembro que o Governo debaterá que projetos ferroviários incluirá no futuro Programa Nacional de Investimentos. 

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