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Investimento público
PNI 2030 - Governo deve apostar nas
linhas de comboio que levam as mercadorias portuguesas à Europa, dizem os
empresários
Ferrovia é a prioridade
Texto Joana Nunes Mateus e Pedro
Lima
Quais os investimentos públicos
estratégicos que o país deve lançar na próxima década, com o apoio dos fundos
europeus do Portugal 2030, o próximo quadro comunitário para 2021-2027?
Agora que o Governo está a definir o futuro Programa
Nacional de Investimentos (PNI 2030), o Expresso perguntou aos exportadores
portugueses que projetos devem constar dessa lista que o Governo pretende
submeter, até ao final de 2018, à apreciação do novo Conselho Superior de Obras
Públicas e à aprovação do Parlamento.
Investir a sério na competitividade
das ligações ferroviárias de Portugal à Europa é a resposta mais consensual
entre os empresários, que já perceberam que têm de trocar rapidamente o
camião pelo comboio, dada a
saturação das autoestradas europeias e as crescentes pressões ambientais e
energéticas sobre os custos do transporte rodoviário.
Aliás, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e
mais recentemente a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel
(AFIA), já alertaram o Governo para o impacto dramático que a ausência de
soluções para o transporte terrestre de mercadorias pode ter num país que
exporta mais de três quartos dos seus produtos para os mercados europeus. Em
causa estarão os empregos, os salários, as pensões dos portugueses se as
exportadoras não conseguirem sobreviver ou tiverem de se deslocalizar (ver
texto ao lado).
O que dizem as associações:
“Um novo corredor ferroviário Aveiro-Vilar Formoso,
construído de raiz, em via dupla e em tudo compatível com as redes espanholas e
europeias, para que a longo prazo os nossos produtos e mercadorias tenham
uma alternativa à rodovia”, é o primeiro projeto de investimento que deve
constar do PNI 2030.
Quem o diz é Tomás Moreira, o presidente da AFIA, que
representa 220 fabricantes de componentes automóveis do país, o equivalente a
14% das exportações de bens, 7% do emprego industrial e 5% do PIB português. A
AFIA defende ainda o investimento público na criação de uma rede de terminais
logísticos intermodais de baixo custo estrategicamente localizados e na
interligação eficaz entre as vias rodoviárias, a rede ferroviária, os portos de
mar e os terminais logísticos.
Além de prosseguir a modernização e o aumento da
capacidade dos portos nacionais, com particular enfoque em Leixões e Sines, o
vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos,
Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) quer investimento público nas
“principais linhas ferroviárias de ligação a Espanha, resolvendo
definitivamente a questão da bitola europeia, que tem sido um constrangimento
temporal e financeiro lesivo da competitividade das nossas exportações”. Para o
representante desta que é a maior fileira exportadora nacional, “tendo em conta
que somente 4% das mercadorias para Espanha são movimentadas por via
ferroviária, facilmente se percebe que há aqui uma enorme oportunidade, até
porque a rede rodoviária pode perder competitividade e os custos energéticos e
ambientais têm um peso crescente”. E alerta: “Está previsto que venha a haver a
curto prazo barreiras muito fortes à passagem de transportes rodoviários
pesados pelo País Basco. O escoamento de mercadorias portuguesas para o resto
da Europa poderá ficar comprometido, se não houver, entretanto, uma aposta
forte no transporte ferroviário”.
Para o diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário
de Portugal (ATP), Paulo Vaz, é prioritário “o investimento no alargamento do
Porto de Leixões, de forma a tornar, ainda mais eficiente e económico, o escoamento
de mercadorias por via marítima na região Norte, onde se localizam as
indústrias transformadoras mais importantes, podendo competir, tal como foi
feito com a infraestrutura aeroportuária, com os portos do sul da Galiza”.
Outra prioridade é “apostar no prolongamento do AVE espanhol da Galiza ao
Porto, assentando nesta linha a sua expansão para Lisboa e a meio do trajeto
uma derivação para a fronteira espanhola e Madrid, de modo a não isolar
Portugal da rede de alta velocidade europeia”.
Uma solução para o aeroporto de Lisboa é outra
prioridade referida por estas associações.
O que pedem os exportadores
Uma das grandes exportadoras nacionais que se está a
virar para a ferrovia é a Siderurgia Nacional, hoje Megasa. Em resposta ao Expresso, considera
prioritário “o investimento na modernização das ligações ferroviárias a Norte e
a Sul para Espanha, ao nível da tração e pendentes, permitindo igualar
a carga máxima de 1400 toneladas existente em Espanha, isto é, mais 40%
comparando com as 1000 toneladas possíveis em Portugal”. Em concreto, refere a
construção da ligação ferroviária a Espanha pelo Sul — ligação
Évora-Caia-Badajoz — e a eliminação dos constrangimentos nas ligações
ferroviárias aos portos de Leixões e Setúbal. A ponte Seixal-Barreiro e a realização
dos trabalhos previstas nos acessos à A41, na Maia, são outros investimentos
públicos a considerar no PNI 2030.
Fonte oficial da Volkswagen
Autoeuropa refere que “a modernização da rede ferroviária nacional, o reforço
da competitividade dos portos nacionais ou a manutenção e reparação adequada
das vias que fazem o last mile entre as redes viárias e os polos
industriais — como
é o caso da variante que serve a Volkswagen Autoeuropa e cujo estado de
degradação dificulta a operação dos mais de 300 camiões que diariamente a
utilizam — deverá ser encarada como uma prioridade no novo quadro de fundos
comunitários”.
Para esta empresa que vale cerca de 1% do PIB
português, também é importante considerar a implementação, a curto/médio prazo,
de uma rede de abastecimento para mobilidade elétrica capaz de corresponder ao
aumento expectável na procura de carros elétricos. “Os ambiciosos objetivos de
redução de emissões de CO2 (30% até 2030) que Bruxelas se prepara para legislar
têm de ser acompanhados pelo investimento público em infraestruturas de
fornecimento. A União Europeia estima que até 2025 seja necessário dotar o
espaço europeu de cerca de dois milhões de postos de abastecimento, valor que
contrasta com os atuais cem mil. Se Portugal quiser estar na vanguarda da
mobilidade elétrica, este é um investimento que não pode ser descurado”,
acrescenta a Autoeuropa.
A Repsol é outra das grandes exportadoras que
aceitaram o repto do Expresso e considera que “a ligação ferroviária para a
Europa a partir de Sines, a sua futura competitividade e a competitividade do
porto de Sines poderão ajudar-nos a sermos competitivos nos mercados externos”.
Já a Continental Mabor lista quatro prioridades.
Primeiro, a garantia de que a alternativa à EN14, estrada que liga o Porto a
Famalicão, seja terminada com todos os acessos que estão prometidos. Depois que
se aproveite mais o aeroporto do Porto, ampliando-o se necessário, garantindo
mais voos diretos internacionais. O porto de Leixões também deve ser
modernizado e reforçado. A empresa defende ainda que se faça na região de
Famalicão um terminal ferroviário.
ORÇAMENTO:
Há que investir €1000 milhões todos
os anos
Portugal deve fazer um esforço de
investimento anual na ordem dos €1000 milhões na ferrovia para não ficar isolado
da Europa. Em números redondos, serão €600 milhões do Orçamento do Estado mais
€400 milhões do orçamento europeu, entre fundos comunitários do Portugal 2030 e
fundos do Mecanismo Interligar Europa (CEF). Devem servir para o país investir
sobretudo na construção da nova rede em bitola europeia (com carris que distam
entre si 1435 mm) e na segurança da rede existente em bitola ibérica (1668 mm),
para evitar descarrilamentos e substituir carruagens obsoletas. As contas são de Mário
Lopes, professor do Instituto Superior Técnico, que tem trabalhado no
tema da ferrovia com o Conselho da Indústria Portuguesa da CIP. Ao Expresso
refere que o próximo quadro comunitário deve reservar entre 2,5 a €3,5 mil
milhões para a ferrovia pois o PNI 2030 “é a última oportunidade para corrigir
os erros do passado”.
Para se investir a sério na ferrovia em bitola
europeia, este professor até prefere que o Governo lhe aumente menos o
ordenado. É que sem este esforço orçamental, a competitividade do país e logo
os salários e as pensões dos portugueses estarão todos condenados a prazo.
“Prefiro que me aumentem menos o ordenado no curto prazo, mas que os aumentos
continuem de forma sustentada no tempo, do que ter um grande aumento agora e a
seguir perder tudo. As reposições de rendimentos dos últimos anos não são
sustentáveis se as políticas não se alterarem. A competitividade das nossas
trocas comerciais com a União Europeia, baseada na rodovia, não é sustentável”.
J.N.Mateus.
Empresários alertam para
o risco de deslocalização:
Sem alternativa ferroviária competitiva
para escoarem as suas mercadorias há exportadoras que podem ter de abandonar o
país
Os empresários portugueses não estão a poupar nas
palavras para convencerem o Governo a apostar neste grande projeto de investimento
público para a próxima década: a construção de raiz da
nova linha Aveiro-Salamanca, em via dupla e numa bitola que evite
transbordos, para
assim potenciar o transporte competitivo das mercadorias fabricadas pela
indústria portuguesa para o norte de Espanha e para os mercados europeus além
dos Pirenéus.
O mais recente grito de alerta veio da associação dos
fabricantes para a indústria automóvel (AFIA). Dizem que o Governo não pode
mesmo perder a oportunidade de inscrever no Portugal 2030 os fundos necessários
à construção da nova linha Aveiro-Salamanca: “Se isso não acontecesse, estaria
a cometer-se um atentado contra a nossa economia, pois a médio prazo
condenaríamos as nossas empresas a um isolamento ferroviário com consequências
fatais para o seu desenvolvimento e para a sobrevivência da indústria automóvel
em Portugal”, diz o presidente da AFIA, Tomás Moreira.
Há um ano, já o Expresso publicara em primeira mão o
manifesto de dezenas de empresários, gestores e investigadores “Portugal, uma
ilha ferroviária na União Europeia” promovido por Henrique Neto e Eugénio
Sequeira. E no início deste ano, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) voltou
à carga num documento de reflexão sobre o futuro da indústria nacional
coordenado por Mira Amaral (ver caixa).
Como explica a AFIA, o problema é que os custos dos
camiões se estão a agravar sem que exista uma alternativa para escoar as
exportações portuguesas por comboio: “As empresas utilizam hoje em mais de 90%
a via rodoviária e, em reduzida escala, as vias marítima e aérea. O volume
transportado por via ferroviária é insignificante ou mesmo nulo, não sendo hoje
uma opção real, devido à total imprevisibilidade de prazos, particularmente
crítica nos fornecimentos à indústria automóvel, mas também devido às velocidades
ridiculamente baixas, reduzidíssima frequência de circulação, preços pouco
competitivos, transbordos com elevados custos e demoras, a que devemos
acrescentar a tradicional falta de sensibilidade e agressividade comercial dos
principais operadores”.
A CIP divulgou este ano os resultados do inquérito que
lançou ao tecido empresarial português, em 2016, precisamente sobre este tema.
As respostas são muitas e revelam o impacto que a falta de uma ferrovia
competitiva terá na economia portuguesa, quando as autoridades espanholas e
francesas começarem a restringir o tráfego rodoviário de mercadorias de longo
curso entre os dois países.
“As empresas portuguesas que quisessem continuar a
exportar inevitavelmente teriam que deslocalizar a sua produção”, foi a
resposta da Renova. “Para este cenário, claramente que a alternativa seria uma
deslocalização da produção para outros países da Europa, pondo em causa 600
postos de trabalho”, respondeu a Preh Portugal.
A fileira metalúrgica (AIMMAP) destaca a “forte possibilidade”
de deslocalização e a fileira do calçado (APICCAPS) concretiza que a migração
da produção de calçado para Itália, para outros países do leste da Europa ou
mesmo para a Ásia “seria o caminho natural”. Este risco também é destacado por
várias outras associações sectoriais e regionais, desde a indústria da fundição
(APF), aos empresários do Minho, à Associação Empresarial de Portugal ou ao
Conselho Empresarial do Centro.
Os empresários da Guarda alertam para as
multinacionais que irão “procurar novos mercados para instalar a sua produção”.
A indústria naval reitera o “sério obstáculo à atração ao investimento
estrangeiro em Portugal” enquanto a Siemens confirma que a capacidade de
atração de investimento “seria mais reduzida”. “Um desastre” dizem as empresas
de Águeda (AEA) enquanto os exportadores de Aveiro (AIDA) “correm um risco
sério de sobreviver”.
A Volkswagen Autoeuropa também
respondeu ao inquérito: “Qualquer cenário em que todas as alternativas de
transporte terrestre para o centro da Europa sejam pouco competitivas será
necessariamente mau para a competitividade da empresa”.
É a já a 13 de setembro que o Governo debaterá que
projetos ferroviários incluirá no futuro Programa Nacional de
Investimentos.
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