sexta-feira, 30 de março de 2018

Entrevista sobre a ferrovia nacional

Entrevista do eng.Mario Ribeiro ao iQNews sobre a falta de estratégia para a ligação da ferrovia nacional à Europa segundo os critérios de interoperabilidade (bitola, alimentação elétrica, sinalização). Anota-se que a referencia a posteriori ao anuncio da adjudicação de 20 e não 90km do troço Évora-Elvas diz respeito a bitola ibérica.

https://qinews.pt/qi-reportagem-portugal-ilha-ferroviaria-os-comboios-portugueses-nao-passam-para-a-europa/

domingo, 25 de março de 2018

Conclusões da conferencia de 28 de fevereiro de 2018 na Ordem dos Engenheiros




As apresentações na conferencia e as conclusões podem ser consultadas e descarregadas no site da Ordem dos Engenheiros em:


A Solução Ferroviária

Pelo elevado interesse de que o debate técnico sobre os investimentos em infraestruturas, nomeadamente as ferroviárias, se reveste para a Engenharia e para o desenvolvimento do País, a Ordem dos Engenheiros acolheu no dia 28 de fevereiro, na sua Sede, a Conferência "A Solução Ferroviária”, promovida pelos subscritores do Manifesto "Portugal, uma ilha ferroviária na União Europeia” que contou com a presença do Presidente da República.

O Manifesto, tornado público em junho de 2017, apresentado aos Partidos Políticos com assento parlamentar e ao Presidente da República, questiona o investimento público previsto em Portugal para a modernização da linha ferroviária existente.

16 de Março de 2018
Luís Cabral da Silva download
16 de Março de 2018
Esboço de estudo comparativo de custos do transporte de mercadorias Fernando Santos Silva download
16 de Março de 2018
Henrique Neto download
16 de Março de 2018
Mário Lopes download
16 de Março de 2018
Carlos Fernandes download
16 de Março de 2018
Luís Mira Amaral download

sábado, 3 de março de 2018

Documento técnico para apoio ao debate sobre a rede de bitola UIC em Porrtugal




1.       Nota introdutória

Com este trabalho pretende-se dar a conhecer uma proposta de construção de uma rede ferroviária digna do século XXI, que complemente a actual rede que vem do século XIX e que tem limitações de vária ordem, que a tornam incompatível com os actuais padrões técnicos europeus, que visam uma maior produtividade e coesão para os países da EU que compõem o Espaço Único Europeu.
Pretende-se igualmente divulgar a existência dos projectos das redes trans-europeias e dos generosos co-financiamentos (a fundo perdido) dedicados à construção destas redes tanto no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) 2007-2013 como do actual QCA 2014-2020 e que Portugal não tem sabido (ou querido) aproveitar devidamente.
Estes co-financiamentos, a fundo perdido, estão previstos nos regulamentos 1325 e 1316 da UE, sendo que Portugal, por ser candidatável aos Fundos de Coesão, pode aceder aos valores máximos, que no QCA actual atingiam os 85 %.
Resta-nos agora negociar com a UE a concessão desses apoios no próximo QCA 2021-2027, para o que será necessário apresentar atempadamente projectos concretos e credíveis, que consigam ultrapassar com mérito os vários critérios de selecção que constituem o crivo para se conseguir os co-financiamentos máximos, sem os quais dificilmente poderemos iniciar a construção das linhas de que precisamos para melhorar a nossa competitividade relativamente ao nosso maior parceiro económico, a UE.
E o prazo para concluir a futura rede principal (reproduzida na fig. 1) termina em 2030, o que significa que, se não aproveitarmos devidamente o próximo QCA 2021-2027, já não haverá possibilidade de cumprir com aquele prazo e arriscamo-nos a ser a única ilha ferroviária da europa ocidental, com uma bitola (distância entre carris) única e, portanto, completamente dependentes das plataformas logísticas espanholas (e respectivos atrasos e custos) para atingir o mercado europeu, já que os operadores ferroviários europeus continuariam a não poder entrar na nossa rede, deixando as nossas trocas comerciais com a Europa completamente reféns dos custos do transbordo fronteiriço e do monopólio dos operadores de bitola ibérica.



2.       Redes Trans-Europeias de Transportes (TEN-T)

O que são, para que servem, seu co-financiamento europeu


A UE considera serem essenciais para os seus objectivos de coesão social e económica 3 tipos de redes trans-europeias :   Transportes, Telecomunicações e Energia.
O presente estudo/proposta tem a ver com o contributo que uma reformulação de parte da nossa rede ferroviária, a médio e longo prazo, pode (e deve) dar à melhoria da nossa competitividade externa relativamente à Europa, que é o nosso principal parceiro comercial.  E nada disto tem a ver com os limitados objectivos do PETI 3+ ou do seu sucedâneo, o Ferrovia 2020, de objectivos temporais muito limitados, se bem que em alguns casos indispensáveis.
Impõe-se, pois, dar a conhecer quer os planos para a construção das redes trans-europeias de transporte quer os co-financiamentos (a fundo perdido) que lhes estão associados nos Quadros Comunitários de Apoio (QCA) e que temos perdido quase integralmente por falta de qualidade na forma como se têm processado as candidaturas anteriores, quando e se as houve.
   Para se fundamentar qualquer projecto ou seu faseamento, deverá caracterizar-se primeiramente toda a rede-base que se tem como objectivo de longo prazo, para se perceber devidamente como, porquê e quando deve acontecer cada fase.  O contrário, seria uma sequência de casos avulsos, sem grande nexo e, portanto, com bastante dificuldade na sua rendibilidade e também em obter os financiamentos necessários;

2.1) Comecemos pelas regras básicas que deverão ser tidas em conta :
Até 2030, deverá estar no terreno e operacional a rede de 9 Corredores que constituem a base (core network) das redes transeuropeias, em que fomos contemplados com o Corredor Atlântico (a amarelo, no mapa anexo) ;




                                               Fig. 1  Os 9 Corredores transeuropeus
-
 E até 2050, deverá ficar também concluída a rede complementar (comprehensive), ainda não desenhada, que se saiba, embora nada impeça que também pensemos nela  ;

2.2) Bem ou mal (na nossa opinião, bem), a rede principal já se encontra esboçada e será genericamente em VIA DUPLA e ALTA VELOCIDADE e as suas características terão de respeitar a interoperabilidade europeia, em que relevam a bitola (1435 mm), a catenária (25 kV) e o sistema de controlo das circulações e sinalização (ERTMS n2, que será compatível com o nível 3, se ele alguma vez vier a ser adoptado) e o comprimento a considerar para os comboios deverá ser de 750 m, valor pensado para comboios de mercadorias, porquanto os de passageiros são sempre bastante mais curtos e estarão condicionados pelos comprimentos dos cais das estações em que fazem serviço ;

2.3) O grau de liberdade para o projecto das linhas acima previstas, que deverão ligar às cidades principais, a portos e a polos industriais e/ou logísticos, é muito limitado, não sendo viável fazer grandes desvios de traçado, salvo por razões de dificuldades orográficas ;

2.4) Relativamente às 3 linhas que compõem a presente etapa (as esboçadas no mapa já referido), já foram feitos alguns estudos, que importa mencionar, embora tendo em atenção a época em que foram feitos e os objectivos traçados nessa época.  Assim :

2.4.1)  A RAVE adjudicou à ELOS, em Maio 2010, o projecto e execução do chamado Poceirão-Caia, projecto que veio depois a ser adaptado para serviço misto de passageiros e de mercadorias, o mesmo tendo acontecido do lado espanhol.  É o único projecto completo existente e é propriedade da ELOS (o seu pagamento, 150 M€, está hoje ainda em litígio).  A obra não chegou a ser iniciada, por razões que suscitarão sempre algumas dúvidas ;

2.4.2) A outra linha internacional, chamada de Aveiro-Vilar Formoso, também foi, em tempos, objecto de alguma atenção da RAVE, que chegou a apresentar várias alternativas para o seu traçado, incluindo para a travessia de fronteira próximo de Almeida, de acordo com o recomendado por uma comissão luso-espanhola nomeada para este assunto, visando evitar as graves pendentes a que o actual traçado está sujeito do lado espanhol. 

Contudo, o esboço desta linha "morria" junto à cidade de Aveiro, onde encontraria a futura linha do norte, mas não cumpria com o desígnio de chegar a nenhum porto marítimo. Trata-se, por isso, de um eixo razoavelmente definido, embora a carecer de ser completado para poder responder minimamente às funções que dele se esperam, e com algum grau de liberdade (alternativas) relativamente ao traçado concreto; Este traçado NADA tem a ver com a actual linha da B. Alta.



                                                           Fig. 2  “Aveiro-Vilar Formoso”

2.4.3) A 3ª linha, ligando de Sines a Leixões, ainda não foi objecto de estudos sérios e que se conheçam, embora se reconheça a urgência em projectar e executar o futuro troço Aveiro-Leixões desta linha, dadas as condições em que se encontra o actual ;

2.5) Resumindo, das 3 linhas que compõem a parte nacional do "core network" das transeuropeias definidas pela UE e, portanto, co-financiáveis pelo CEF-T (Transport) desde que sejam concluídas até 2030, apenas temos :

2.5.1) Um projecto (o Poceirão.Caia) em condições de poder ser submetido e negociado com a UE, mas a carecer de complementos que o possam tornar economicamente mais interessante e rentável, não terminando de repente no Poceirão mas sim nos portos marítimos e nos polos logísticos (ou industriais) que deve servir (igualmente co-financiáveis pelo CEF-T), devendo também facultar o acesso directo e sem transbordo do serviço internacional de passageiros a Lisboa, ainda que por forma não definitiva.
 Recorde-se, aliás, que a designação que a UE faz desta linha é “Sines/Lisboa-Poceirão-Caia” ;
Este corredor agora denominado, em Portugal, Corredor Internacional Sul, é de enorme importância para Portugal e até mesmo a actual Comissária Europeia Violeta Bulk, em entrevista ao Expresso e ao El País-Economia, em Bruxelas a 16 deste mês de FEV 2018, insiste na conclusão do troço transfronteiriço que vai ligar Évora a Mérida, "uma ausência importante" que é preciso completar no chamado Corredor Atlântico, que vai de Lisboa a Le Havre, no norte de França. Assim que o troço transnacional esteja completo, espero que que isso estimule a continuação da ligação com as cidades principais", referindo-se ao transporte de carga e de passageiros. E adianta: -  “Portugal precisa de ligações ao Mercado Único e encorajamos que esta conectividade seja uma prioridade entre os corredores referenciados.
Esta próxima 6ª feira, 23 FEV 2018, os líderes europeus vão começar a debater a dimensão e as prioridades do Orçamento Comunitário para o período 2021-2027. Violeta Bulc diz já ter feito as contas ao dinheiro necessário para completar os principais corredores de transporte após 2020: - "Precisamos de mais 500 mil milhões de euros de investimento, e as previsões mostram que isso trará crescimento de 1,8% do PIB, que é acumulativo até 2030. Estamos a falar de 4,5 biliões de euros”, argumentando que: -“ Se as redes ferroviárias não forem concluídas, os países beneficiam apenas parcialmente deste seu potencial”.
A Comissão insiste que cada vez mais são os projetos de "valor acrescentado europeu" que devem ser financiados. Os corredores ferroviários e de transportes são um exemplo, seja através dos Fundos da Coesão seja através do Mecanismo Interligar a Europa. Bulc diz que ainda é cedo para falar nos valores de co-financiamento, mas acredita que "em princípio" os instrumentos financeiros "vão manter-se ou mesmo aumentar", o que pode ter interesse para Portugal
           https://cincodias.elpais.com/cincodias/2018/02/16/companias/1518797506_205592.html

2.5.2) Uma visão da RAVE sobre o "Aveiro-Vilar Formoso" em que são encaradas várias alternativas, impondo que agora se façam (e fundamentem) as devidas opções finais e se introduzam as acessibilidades ao porto de Aveiro e a Mangualde/fábrica da Peugeot-Citroen antes de ser submetido com sucesso à UE.  Além disso, este projecto (e obra) devia passar a incluir o troço Aveiro-Porto-Leixões, se necessário com nova ponte sobre o Douro, para evitar envolvê-lo nos inevitáveis atrazos inerentes à inexistência de uma nova directriz para a futura linha Lisboa-Porto ;

2.5.3) Relativamente à linha desde o Poceirão a Leixões (ou a Aveiro), actualmente ainda sem os devidos estudos nem projectos, e em que a sua directriz, independentemente de poder vir a ser mais a oeste ou mais ao centro do País, terá também que ter em conta a melhor solução para atravessar o rio Tejo.
Mas vai ser preciso trabalhar muito (e bem) para a podermos candidatar  em tempo útil ao próximo QCA, mesmo que, como se propõe, se desanexe do seu projecto os troços Poceirão-Sines e Aveiro-Leixões, integrando-os nos projectos anteriores, para antecipar e potenciar os respectivos efeitos positivos na economia :

2.6) É importante deixar claro que esta futura rede ferroviária de bitola europeia, vocacionada principalmente (mas não só) para o tráfego internacional de passageiros e mercadorias, nas próximas décadas não virá substituir nem sequer alterar a rede de bitola ibérica existente, que, tal como em Espanha, terá de continuar a assegurar ainda por várias décadas os serviços que actualmente presta, havendo, pois, que garantir os adequados pontos (e formas) de interface entre estas 2 redes.  Haverá, isso sim, que considerar os adequados pontos de interface entre ambas as redes ;

2.7) A esta futura rede principal de bitola europeia deverá vir a ser adicionada uma rede complementar que lhe introduza novas potencialidades e que, regulamentarmente, deverá ficar concluída até 2050, o que não obsta a que não deva ser desde já estudada e até iniciada antes de 2030, se houver condições para tal.  Não consta que haja quaisquer planos oficiais para esta rede complementar, mas não será difícil "adivinhar" que seria da maior utilidade vir a aumentar as interligações com a rede espanhola, fechando a rede peninsular com o Porto-Vigo, a norte, e com o Faro-Huelva, a sul, já postas em cima da mesa na Cimeira Ibérica de 2003.  




Fig. 2A – Mapa da rede da AV acordada na Cimeira Luso-Espanhola de NOV 2003

Provavelmente, caberá também na rede complementar incluir parcialmente a linha da Beira Baixa, na medida em que ela, podendo assegurar o tráfego entre o sul de Portugal e Salamanca por caminho mais curto, aliviaria tanto a futura linha do norte como a linha "Aveiro-Vilar Formoso", podendo até simplificar (e embaratecer) estas obras, além de que, sendo uma linha interior, iria favorecer a fixação das populações que lhe estão adjacentes, contribuindo para melhorar a coesão social e territorial. 
No Anexo que se segue, detalham-se os pormenores, prioridades, custos e financiamentos europeus que têm sido disponibilizados para as Redes Transeuropeias de Transportes (RTE-T) e de que, por razões várias, não temos sabido ou podido aproveitar, apontando-se agora os procedimentos atempados e convenientes para podermos ser bem sucedidos no próximo Quadro Comunitário de Apoio (QCA 2021-2027).  E já não dispomos de muito tempo para os implementar.

Aqui fica o nosso contributo.

NOTA : - Este trabalho técnico e seu Anexo, complementar ao Manifesto, é da responsabilidade exclusiva dos seus autores, o Eng. Elect. Luís Cabral da Silva e o Eng. Mec. Mário Gomes Ribeiro.
















                                                      ANEXO / DETALHE



I.       De que é que necessitamos


Sendo a Europa o nosso principal parceiro comercial (2/3 do nosso comércio externo), precisamos que as ligações/transportes de superfície possam garantir com a maior eficiência e o menor custo possíveis o cumprimento das regras comunitárias aplicáveis, nomeadamente as de carácter ambiental e energético, o que passa fundamentalmente pela utilização do transporte ferroviário directo, sem transbordos ou outras roturas de carga que onerem significativamente o preço desse transporte e que isolariam Portugal da Europa. E, sendo Portugal um País bastante periférico relativamente ao centro da Europa, a minimização dos custos do transporte internacional e dos tempos de entrega, afectando tanto as importações como as exportações, é essencial para melhorar a nossa competitividade.
Mas isso não é tudo :  Para minimizarmos tais custos, é também essencial que os operadores ferroviários de todos os países europeus nos possam trazer o que precisamos de importar e levar as nossas exportações, ou seja, que haja livre concorrência internacional, libertando-nos dos interesses monopolistas que a dependência exclusiva da actual bitola ibérica permitem alimentar. E isto tanto se aplica ao transporte internacional ferroviário como ao rodoviário, sendo que este último está condenado a desaparecer para percursos superiores a 300 km não cobertos pelas “autoestradas” ferroviárias, quando as taxas dissuasoras lhe forem aplicadas, o que poderá começar a ser aplicado progressivamente visando fazer desaparecer da travessia dos Pirinéus o tráfego de mais de 30.000 veículos de carga pesados que diariamente os atravessam.

Urge, pois, arrancar com a construção das nossas 2 linhas ferroviárias internacionais que fazem parte do Corredor Atlântico, bem como a  interligação entre elas, obviamente em bitola europeia, em via dupla, projetadas para Alta Velocidade e tráfego Misto.

 Neste enquadramento, havendo várias alternativas para os próximos passos, propôe-se que se tome como base o seguinte planeamento/calendário :

a) Esboço urgente, caracterizando a totalidade da rede de bitola europeia (rede principal + rede complementar) a construir até 2050 ;
b) Definição das prioridades e do seu "timing" :  
    - Completar rapidamente o projecto "Poceirão-Caia"  com as extensões aos portos de Sines e de Setúbal, ao Pinhal Novo, à Autoeuropa e à The Navigator Company na península de Mitrena  e ainda, com a introdução de um intercambiador no Pinhal Novo, assegurar a continuidade dos comboios internacionais (de AV) de eixos telescópicos até ao centro de Lisboa (Entrecampos), através da ponte 25 de Abril e apresentá-lo à UE, com a intenção de iniciar as obras logo que seja garantido o calendário com Espanha além dos adequados fundos de co-financiamento ;
    - Iniciar imediatamente no dossier "Aveiro-Vilar Formoso" e completá-lo até ao nível em que possa ser submetido à UE com elevada taxa de sucesso, adicionando-lhe o troço Aveiro-Porto também em linha nova, se tal não vier a atrasar demasiado a apresentação do projecto ;
    - Começar desde já a discutir o Poceirão-Lisboa-Porto (ou Aveiro, se tiver sido bem sucedida a inclusão do Aveiro-Porto-Leixões no pacote "Aveiro-Vilar Formoso), incluindo o local e o tipo de uma nova travessia do Tejo ;






II.      Plano geral da futura rede ferroviária nacional (bitola europeia)


Se se optasse pelo nocivo hábito nacional de ignorar os trabalhos já oportunamente elaborados e começar tudo de novo, a realização de um Plano Geral da futura rede ferroviária nacional seria bastante morosa e correria o risco de vir a repetir as mesmas dúvidas e opções já antes colocadas.
A abordagem que propomos é a de reflectir no que já anteriormente foi estudado ou proposto, perceber o respectivo enquadramento temporal e recuperar para as condições actuais o que parecer adequado e aplicável.
A diferença da nossa bitola ibérica relativamente ao standard europeu é o principal obstáculo à interoperabilidade, afectando não só a via como todo o material circulante, motor ou rebocado.
Mas nem tudo é diferente :  A nossa catenária, que é de 25 kV, corresponde à catenária standard, o que significa que, à parte a questão da bitola, todo o material motor apenas carece de integrar os equipamentos específicos dos sistemas de sinalização e controlo (ERTMS), uma vez que já integram sistemas de comunicação de rádio compatíveis ou iguais ao standard GSM-R.  Equipamentos esses que não existem no material rebocado, que apenas fica condicionado à bitola.
A via, porém, não só carece de incorporar os equipamentos inerentes ao ERTMS como também precisa de se “actualizar” relativamente ao traçado (pendentes, raios de curvatura, comprimento de linhas de resguardo, etc) e ao novo material circulante (cargas por eixo).
As nossas linhas actuais, construídas no século XIX, em via única à excepção da linha do Norte, tecnologia para baixas velocidades e elevadas pendentes em muitos pontos, nem com muito boa vontade cumprem com as especificações exigíveis para linhas internacionais de Alta Velocidade da Rede Trans-Europeia e não será com uma sucessão infindável de remendos (como há mais de 20 anos vem sucedendo com a linha do Norte) que ficarão aptas a satisfazer padrões do séc. XXI e dar uma resposta satisfatória às especificações de interoperabilidade.
Aliás, salvo alguma eventual excepção, as nossas actuais linhas de bitola ibérica não precisam, para já e a médio prazo, de ser sujeitas à migração para a bitola europeia. Mais simples, muito mais barato e praticamente sem afectar o funcionamento da rede actual, que tem que continuar a garantir os serviços de passageiros e de mercadorias que actualmente presta, será construir linhas novas nos principais itinerários de grande tráfego (analogamente ao caso das auto-estradas relativamente às estradas existentes), para responder com economia e eficiência, e por longos anos, às oportunidades que nos são propiciadas pelo acesso directo às redes transeuropeias.  E é por isso que a UE previu co-financiamentos generosos a 85% , infelizmente perdidos parcialmente neste Quadro Comunitário 2014-2020.

Teremos assim 2 redes ferroviárias distintas, que irão coexistir e funcionar articuladamente durante várias décadas - como aliás sucede em Espanha onde a primeira linha de bitola europeia apareceu há já 29 anos.
Vamos, pois, debruçar-nos sobre as 3 linhas, Corredor Internacional Sul, Corredor Litoral e Corredor Internacional Norte, que constituirão a parte nacional da rede principal (core network) do Corredor Atlântico, que se deveriam concluir até 2030. Não se considera de momento a rede complementar que convirá adicionar até 2050, que deverá ser discutida para, face a uma visão global, melhor podermos avaliar as vantagens e inconvenientes de cada linha e assim caracterizarmos as prioridades.  É assim que entendemos que se deve planear a longo prazo.


II.1 A rede principal (core network)

Esta rede, estando já caracterizada nos planos da UE,, como mostra a fig. 1, é composta, na parte nacional, por 3 linhas :
- o corredor internacional sul, abreviadamente designado por “Sines-Poceirão-Caia”
- o corredor internacional norte, abreviadamente designado por “Aveiro-Vilar Formoso”
- e o corredor nacional ligando os 2 anteriores e prolongado até ao porto de Leixões.

II.1.1.  Destas 3 linhas, só o troço Poceirão-Caia dispõe de um projecto de execução completo e adaptado ao tráfego misto de passageiros e mercadorias, como já foi referido, mas a carecer de ser  completado até Sines (recorrendo à plataforma para via dupla já construída mas equipada apenas com uma via), bem como de ser optimizado com a acessibilidade ao porto de Setúbal e à península da Mitrena (instalando uma nova via em bitola europeia adjacente à linha existente entre Águas de Moura e o porto de Setubal e estendendo-a até ao Pinhal Novo recorrendo à migração imediata de uma das 2 vias electrificadas aí existentes).  A ligação à Autoeuropa e à The Navigator Company, a partir do Pinhal Novo completaria este eixo de bitola europeia, recorrendo (por algaliamento ou não) a uma das 2 vias de bitola ibérica existentes.
Um “cambiador” a instalar no Pinhal Novo asseguraria a continuidade dos comboios de passageiros de eixos telescópicos no percurso Lisboa-Madrid (e vice versa), tendo a estação de Entrecampos, que se situa bem no centro de Lisboa e dispõe de linhas não utilizadas, como terminal internacional.
O custo global, incluindo as extensões aqui propostas, deverá situar-se na ordem dos 1700 M€.

Esta solução permitiria optimizar desde o início todas as vantagens funcionais e económicas  proporcionáveis por este eixo ferroviário.  Urge, pois, como já referido, adquirir previamente os direitos do projecto feito e detido pela ELOS e submetê-lo à UE, para ser considerado no próximo QCA.

II.1.2.  O eixo “Aveiro-Salamanca” está longe de ter um projecto.
Sendo uma linha desenvolvida em zonas montanhosas, o custo da sua construção será bastante elevado (estimado em cerca de 4.000 M€), mesmo atendendo a que as velocidades máximas não deverão ir muito além dos 200 km/h devido à orografia do terreno, conforme previsão da UE, portanto já bastante abaixo do limite inferior da velocidade para a categoria 1 da AV, que é de 250 km/h.   Mas como ela estará mais vocacionada para o tráfego internacional de mercadorias do que para o de passageiros, esta limitação não é significativa.  Mais importante será conseguir justificar os seus benefícios face aos custos e convencer a UE a co-financiá-la,  Daí que possa ser importante equacionar soluções que conduzam à redução dos custos da sua construção e conservação, mas sem afectarem significativamente a sua funcionalidade, procurando, por exemplo, maximizar a utilização da plataforma de via existente entre Mangualde e Vila Franca das Naves.
E haverá ainda que considerar a extensão da linha até ao porto de Aveiro, uma vez que o plano da RAVE só a levava até ao local onde supostamente iria passar a futura linha do norte de bitola europeia, a leste da cidade de Aveiro.
Será bom atentar na solução adoptada por Espanha relativamente às acessibilidades ferroviárias do porto de Barcelona e que, certamente, se irá replicar nos restantes portos (corredor mediterrânico) que venham a operar com ambas as bitolas, para acederem directa e simultaneamente aos mercados servidos por qualquer delas :  O ramal de acesso será o já existente, mas com via algaliada a 3 carris, para permitir o tráfego em qualquer das bitolas e não havendo necessidade de alargar o canal de acesso.  Dentro do porto, haverá 2 feixes de linhas separados, um de cada bitola e/ou linhas com 3 carris.

Esquematicamente, teríamos então uma directriz como a representada a verde escuro :

 

                                                                                                                                                                                                         
                                                     Fig. 3   Porto de Aveiro-Salamanca

Atendendo ao estado físico e de saturação do troço da actual linha entre Aveiro e o Porto e à procura potencial das indústrias e mercados situados a norte, conviria antecipar a construção da linha de bitola europeia para o mesmo troço, para potenciar os benefícios esperados e consegui-los o mais cedo possível.
Há, porém, circunstâncias que poderão vir a reduzir a importância futura da linha Aveiro-Salamanca e que se prendem com a intenção espanhola de propôr que o próximo QCA contemple um novo eixo do Corredor Atlântico ligando directamente à Galiza, uma vez que a linha actualmente em construção entre Madrid e a Galiza não é adequada para o tráfego de mercadorias.
Se a UE aceitar cofinanciar esta linha espanhola, também de elevado custo, poderá vir a questionar  fazê-lo, parcial ou integralmente, relativamente ao Aveiro-Salamanca, até porque o próprio mercado do norte de Portugal pode vir a preferir recorrer à linha da Galiza.  E, neste caso, a linha Aveiro-Salamanca poderá ter de se reduzir à sua expressão mais simples e mais barata, podendo mesmo ficar congelada por algum tempo.
Em qualquer caso, o troço trans-fronteiriço Vila Franca das Naves-Salamanca deveria ser executado não só porque conta com co-financiamento usualmente mais favorável como porque pode vir a ser-nos útil, como se verá adiante.


II.1.3.   A 3ª linha, ligando Sines a Lisboa, Porto e Leixões está ainda muito indefinida e é mesmo de recear que não seja fácil nem rápido chegar a um consenso sobre o melhor traçado, ainda que apenas entre o Poceirão e Aveiro. 

Para norte de Lisboa, já se aventou desde um traçado pelo oeste até às 2 alternativas propostas pela RAVE (uma das quais atravessando 2 vezes o rio Tejo).
Não faltam, pois, sugestões.  Faltam, sim, estudos devidamente fundamentados. E isso carece de tempo e de vontade para o fazer.






III.     Efeitos na distribuição modal dos tráfegos

Naturalmente, haverá tráfegos que se irão transferindo progressivamente da rede de bitola ibérica para a rede de bitola europeia, enquanto que outros se manterão na mesma rede. Será uma evolução previsível, mas ainda não quantificável.
Previsível será a captação para a ferrovia de grande parte do nosso tráfego rodoviário internacional de mercadorias, em particular para a Europa além-Pirinéus depois da Espanha colocar a bitola europeia nos seus principais portos e plataformas logísticas, bem como o aparecimento de novos tráfegos com origem ou destinos nos portos servidos pela nova rede, logo que cada eixo internacional entre em serviço, pelo que conviria dar-lhes a maior prioridade, uma vez que haverá imediatos ganhos de competitividade relativamente ao espaço europeu.
A diferença de bitolas que tem existido  na fronteira franco-espanhola irá deixar de ser um obstáculo dentro de poucos anos (já existe ligação em bitola europeia desde 2014 pela Orla Mediterrânica e deverá ficar operacional até  2023 pela Orla Atlântica dos Pirinéus, de acordo com a recente Cimeira Franco-Espanhola), caindo um último e enorme obstáculo à circulação ferroviária de mercadorias entre os 2 lados desta fronteira. 


Quando a rede de bitola europeia se estender aos principais portos e plataformas logísticas, provavelmente antes de 2030, os espanhóis verão então resolvida para as zonas com bitola europeia ligadas a França,  a sua dependência do transporte rodoviário internacional de longo ou médio curso.  Porém, se nada for feito no mesmo sentido do lado português, transformar-nos-emos numa ilha ferroviária, completamente dependente das plataformas logísticas espanholas, como já atrás se alertou.  E, enquanto os comboios europeus não puderem vir até nós, continuaremos a alimentar o monopólio dos operadores ferroviários incumbentes, os quais, logicamente, se opõem à implementação da bitola europeia em Portugal e à concorrência internacional daí resultante, recorrendo aos mais variados argumentos.










IV.     Planeamento, custos e financiamentos estimados.
BASE : Ferropédia
http://ferropedia.es/mediawiki/index.php/Costos_de_construcci%C3%B3n_de_
infraestructura





           


                       V       Material circulante e operadores


A futura rede nacional de bitola europeia só nos será útil se estiver devidamente ligada à correspondente rede espanhola e esta, por sua vez, à rede francesa e ainda se houver operadores ferroviários interessados em a utilizar.
Quanto à ligação com a rede espanhola, não se anteveem quaisquer problemas, quer porque a rede espanhola há já muitos anos que se vem desenvolvendo (e também no sentido da nossa fronteira) quer porque as Cimeiras Ibéricas servem para isso mesmo (coordenação).  É, pois, pouco sério do ponto de vista técnico o argumento que frequentemente ouvimos às nossas autoridades ferroviárias de que “quando os Espanhóis puserem a bitola europeia na fronteira, então mudamos a nossa”. E isto por 2 razões principais :
- porque pressupõem que os nossos corredores internacionais serão os actualmente existentes, com todas as insuficiências técnicas que se lhes conhecem  e
- porque, para mudar a bitola de uma linha usando travessas polivalentes (de dupla fixação) como previsto pela IP, salvo para algumas excepções, ela terá que ficar inoperativa durante meses, período em que o seu tráfego terá de recorrer a uma alternativa, certamente rodoviária.  Além dos sobrecustos que isso envolve, haverá o risco de esse tráfego se fidelizar na rodovia e não regressar ao caminho de ferro.
   Quanto ao interesse dos operadores ferroviários (e logísticos), é evidente que os operadores europeus que transportam as nossas importações preferirão trazê-las directamente até Portugal, em vez de as deixarem em Espanha, sujeitas a transbordo e a novo transporte.  É tempo e dinheiro que se perde.  E em sentido oposto, poderão levar as nossas exportações.
   Daqui resulta que para a operacionalidade da rede de bitola europeia, nomeadamente nos corredores internacionais, não vão ser necessários os operadores actuais (nacionais ou não) da bitola ibérica, os quais, portanto, não serão obrigados a adquirir novo material circulante.  O material de que dispõem continuará a servir para operarem na actual rede de bitola ibérica, que ainda se manterá por décadas.  Talvez o seu material circulante não dure tanto. 
   Porém, nada os impede de, se assim o pretenderem, se equiparem para operar na rede de bitola europeia, em regime de concorrência aberta com os restantes operadores.
   Convém esclarecer que existem comboios de passageiros de eixos telescópicos, que podem transitar, sem paragem, de uma bitola para a outra ao passar nos intercambiadores.  É uma tecnologia espanhola completamente estabilizada e que nasceu da necessidade de, na segunda metade do século passado, quebrar o seu isolamento ferroviário na fronteira pirinaica.   Vários fabricantes de material ferroviário sediados em Espanha produzem material de passageiros com eixos telescópicos, para poderem circular entre ambas as redes.   
Estão neste caso as séries da Renfe 120 e 121 (Alstom/CAF) e 130 e 730 (Talgo/Bombardier).

Situação diversa é a dos vagões de mercadorias, em que também há projectos para a utilização de eixos telescópicos.  Porém, esta solução irá encarecer substancialmente o seu preço para garantir a segurança e a fiabilidade requeridas, o que acarretará um agravamento do custo dos serviços prestados, algo contrário ao objectivo de transportar as mercadorias ao menor preço.
A sua produção, se vier a ocorrer, será em quantidade limitada às necessidades do transporte de mercadorias entre as redes das 2 bitolas, quer em Portugal quer em Espanha, únicos países com este problema, o que em nada favorecerá o seu custo final.

De qualquer forma, os eixos telescópicos serão sempre uma solução provisória, local ou regional, para o transporte entre redes de bitola diferente.  Mas nunca poderão constituir uma alternativa à adopção da bitola europeia em Espanha e em Portugal, dado não resolverem a questão essencial da INTEROPERABILIDADE FERROVIÁRIA, que uniformiza as especificações para todos os países da UE, exactamente para que haja livre concorrência entre operadores (e benefícios para os consumidores), eliminando regimes de “coutadas”, que se compreende que sejam defendidos pelos operadores acomodados, mas que não defendem os interesse dos utilizadores.
                                                                                                                      22 Fev. 2018

Alguns argumentos contra a construção de raíz das ligações ferroviárias à Europa em bitola europeia

  ALGUNS ARGUMENTOS CONTRA A CONSTRUÇÃO DE RAÍZ DAS LIGAÇÕES FERROVIÁRIAS À EUROPA EM BITOLA EUROPEIA O PRR prevê q...