1. Nota introdutória
Com este trabalho pretende-se dar a conhecer uma proposta
de construção de uma rede ferroviária
digna do século XXI, que complemente a actual rede que vem do século XIX e que
tem limitações de vária ordem, que a tornam incompatível com os actuais padrões
técnicos europeus, que visam uma maior produtividade e coesão para os países da
EU que compõem o Espaço Único Europeu.
Pretende-se igualmente divulgar a existência dos projectos
das redes trans-europeias e dos generosos co-financiamentos (a fundo perdido)
dedicados à construção destas redes tanto no âmbito do Quadro Comunitário de
Apoio (QCA) 2007-2013 como do actual QCA 2014-2020 e que Portugal não tem
sabido (ou querido) aproveitar devidamente.
Estes co-financiamentos, a fundo perdido, estão previstos
nos regulamentos 1325 e 1316 da UE, sendo que Portugal, por ser candidatável
aos Fundos de Coesão, pode aceder aos valores máximos, que no QCA actual
atingiam os 85 %.
Resta-nos agora negociar com a UE a concessão desses apoios
no próximo QCA 2021-2027, para o que será necessário apresentar atempadamente projectos concretos e credíveis, que consigam ultrapassar com
mérito os vários critérios de selecção que constituem o crivo para se conseguir
os co-financiamentos máximos, sem os quais dificilmente poderemos iniciar a
construção das linhas de que precisamos para melhorar a nossa competitividade
relativamente ao nosso maior parceiro económico, a UE.
E o prazo para concluir a futura rede principal
(reproduzida na fig. 1) termina em 2030, o que significa que, se não
aproveitarmos devidamente o próximo QCA 2021-2027, já não haverá possibilidade
de cumprir com aquele prazo e arriscamo-nos a ser a única ilha ferroviária da
europa ocidental, com uma bitola (distância entre carris) única e, portanto,
completamente dependentes das plataformas logísticas espanholas (e respectivos atrasos e custos) para atingir o mercado europeu, já que os
operadores ferroviários europeus continuariam a não poder entrar na nossa rede,
deixando as nossas trocas comerciais com a Europa completamente reféns dos
custos do transbordo fronteiriço e do monopólio dos operadores de bitola
ibérica.
2. Redes Trans-Europeias de Transportes (TEN -T)
O que são, para que servem, seu
co-financiamento europeu
A UE considera serem essenciais para os seus objectivos de
coesão social e económica 3 tipos de redes trans-europeias : Transportes, Telecomunicações e Energia.
O presente estudo/proposta tem a ver com o contributo que
uma reformulação de parte da nossa rede ferroviária, a médio e longo prazo,
pode (e deve) dar à melhoria da nossa competitividade
externa relativamente à
Europa, que é o nosso principal parceiro comercial. E nada disto tem a ver com os limitados
objectivos do PETI 3+ ou do seu sucedâneo, o Ferrovia 2020, de objectivos
temporais muito limitados, se bem que em alguns casos indispensáveis.
Impõe-se, pois, dar a conhecer quer os planos para a
construção das redes trans-europeias de transporte quer os co-financiamentos (a
fundo perdido) que lhes estão associados nos Quadros Comunitários de Apoio
(QCA) e que temos perdido quase integralmente por falta de qualidade na forma
como se têm processado as candidaturas anteriores, quando e se as houve.
Para
se fundamentar qualquer projecto ou seu faseamento, deverá caracterizar-se
primeiramente toda a rede-base que se tem como objectivo de longo prazo, para se perceber devidamente
como, porquê e quando deve acontecer cada fase. O contrário, seria uma sequência de casos avulsos, sem grande nexo e,
portanto, com bastante dificuldade na sua rendibilidade e também em obter os
financiamentos necessários;
2.1) Comecemos pelas regras básicas que
deverão ser tidas em conta :
- Até 2030, deverá estar no terreno e operacional a rede de 9
Corredores que constituem a base (core
network) das redes
transeuropeias, em que fomos contemplados com o Corredor Atlântico (a amarelo, no mapa anexo) ;
Fig. 1
Os 9 Corredores transeuropeus
-
E até 2050, deverá ficar também
concluída a rede complementar (comprehensive), ainda não desenhada, que se
saiba, embora nada impeça que também pensemos nela ;
2.2) Bem ou mal (na nossa opinião, bem), a rede principal já se
encontra esboçada e será genericamente em VIA DUPLA e ALTA VELOCIDADE e as suas características terão de
respeitar a interoperabilidade europeia, em que relevam a bitola (1435 mm), a
catenária (25 kV)
e o sistema de controlo das circulações
e sinalização (ERTMS n2,
que será compatível com o nível 3, se ele alguma vez vier a ser adoptado) e o
comprimento a considerar para os comboios deverá ser de 750 m,
valor pensado para comboios de mercadorias, porquanto os de passageiros são
sempre bastante mais curtos e estarão condicionados pelos comprimentos dos cais
das estações em que fazem serviço ;
2.3) O grau de liberdade para o projecto das linhas acima
previstas, que deverão ligar às cidades principais,
a portos e a polos industriais e/ou logísticos, é muito limitado, não sendo viável fazer grandes
desvios de traçado, salvo por razões de dificuldades orográficas ;
2.4) Relativamente às 3 linhas que compõem a presente etapa (as
esboçadas no mapa já referido), já foram feitos alguns estudos, que importa
mencionar, embora tendo em atenção a época em que foram feitos e os objectivos
traçados nessa época. Assim :
2.4.1) A RAVE adjudicou à ELOS, em Maio 2010, o projecto e execução do chamado Poceirão-Caia, projecto que veio depois a ser adaptado para serviço
misto de passageiros e de mercadorias, o mesmo tendo acontecido do lado
espanhol. É o único projecto completo existente e é propriedade da ELOS
(o seu pagamento, 150 M€, está hoje ainda em litígio). A obra não
chegou a ser iniciada, por razões que suscitarão sempre algumas dúvidas ;
2.4.2) A outra linha internacional, chamada de Aveiro-Vilar Formoso, também foi, em tempos, objecto de alguma atenção da RAVE , que chegou a apresentar várias alternativas
para o seu traçado, incluindo para a travessia de fronteira próximo de Almeida,
de acordo com o recomendado por uma comissão luso-espanhola nomeada para este
assunto, visando evitar as graves pendentes a que o actual traçado está sujeito
do lado espanhol.
Contudo, o esboço desta linha "morria" junto à
cidade de Aveiro, onde encontraria a futura linha do norte, mas não cumpria com
o desígnio de chegar a nenhum porto marítimo. Trata-se, por isso, de um eixo
razoavelmente definido, embora a carecer de ser completado para poder responder
minimamente às funções que dele se esperam, e com algum grau de liberdade
(alternativas) relativamente ao traçado concreto; Este traçado NADA tem a ver com a actual linha da B.
Alta.
Fig. 2
“Aveiro-Vilar Formoso”
2.4.3) A 3ª linha, ligando de Sines a Leixões, ainda não foi objecto de estudos
sérios e que se conheçam, embora se reconheça a urgência em projectar e
executar o futuro troço Aveiro-Leixões desta linha, dadas as condições em que
se encontra o actual ;
2.5) Resumindo, das 3 linhas que compõem a parte nacional do
"core network" das transeuropeias definidas pela UE e, portanto,
co-financiáveis pelo CEF-T (Transport) desde que sejam concluídas até 2030,
apenas temos :
2.5.1) Um projecto (o Poceirão.Caia) em condições de poder ser
submetido e negociado com a UE, mas a carecer de complementos que o possam
tornar economicamente mais interessante e rentável, não terminando de repente
no Poceirão mas sim nos portos marítimos e nos polos logísticos (ou industriais)
que deve servir (igualmente co-financiáveis pelo CEF-T), devendo também
facultar o acesso directo e sem transbordo do serviço internacional de
passageiros a Lisboa, ainda que por forma não definitiva.
Recorde-se, aliás, que a
designação que a UE faz desta linha é “Sines/Lisboa-Poceirão-Caia” ;
Este corredor agora denominado, em Portugal, Corredor
Internacional Sul, é de enorme importância para Portugal e até mesmo a actual
Comissária Europeia Violeta Bulk, em entrevista ao Expresso e ao El País-Economia,
em Bruxelas a 16 deste mês de FEV 2018, insiste na conclusão do troço transfronteiriço que vai
ligar Évora a Mérida, "uma ausência importante" que é preciso
completar no chamado Corredor Atlântico, que vai de Lisboa a Le Havre, no norte
de França. Assim que o troço transnacional esteja completo, espero que que isso
estimule a continuação da ligação com as cidades principais", referindo-se
ao transporte de carga e de passageiros. E adianta: - “Portugal precisa de ligações ao Mercado
Único e encorajamos que esta conectividade seja uma prioridade entre os
corredores referenciados.
Esta
próxima 6ª feira, 23 FEV 2018, os líderes europeus vão começar a debater a
dimensão e as prioridades do Orçamento Comunitário para o período 2021-2027.
Violeta Bulc diz já ter feito as contas ao dinheiro necessário para completar
os principais corredores de transporte após 2020: - "Precisamos
de mais 500 mil milhões de euros de investimento, e as previsões mostram que
isso trará crescimento de 1,8% do PIB, que é acumulativo até 2030. Estamos a
falar de 4,5 biliões de euros”, argumentando que: -“
Se as redes ferroviárias não forem concluídas, os países beneficiam apenas
parcialmente deste seu potencial”.
A Comissão insiste que cada vez mais são
os projetos de "valor acrescentado europeu" que devem ser
financiados. Os corredores ferroviários e de transportes são um exemplo, seja
através dos Fundos da Coesão seja através do Mecanismo Interligar a Europa.
Bulc diz que ainda é cedo para falar nos valores de co-financiamento, mas
acredita que "em princípio" os instrumentos financeiros "vão
manter-se ou mesmo aumentar", o que pode ter interesse para Portugal
https://cincodias.elpais.com/cincodias/2018/02/16/companias/1518797506_205592.html
2.5.2) Uma visão da RAVE
sobre o "Aveiro-Vilar Formoso" em que são encaradas várias
alternativas, impondo que agora se façam (e fundamentem) as devidas opções
finais e se introduzam as acessibilidades ao porto de Aveiro e a
Mangualde/fábrica da Peugeot-Citroen antes de ser submetido com sucesso à
UE. Além disso, este projecto (e obra) devia passar a incluir o troço
Aveiro-Porto-Leixões, se necessário com nova ponte sobre o Douro, para evitar
envolvê-lo nos inevitáveis atrazos inerentes à inexistência de uma nova
directriz para a futura linha Lisboa-Porto ;
2.5.3) Relativamente à linha desde o Poceirão a Leixões (ou a
Aveiro), actualmente ainda sem os devidos estudos nem projectos, e em que a sua
directriz, independentemente de poder vir a ser mais a oeste ou mais ao centro
do País, terá também que ter em conta a melhor solução para atravessar o rio
Tejo.
Mas vai ser preciso trabalhar muito (e bem) para a
podermos candidatar em tempo útil ao próximo QCA, mesmo que, como se
propõe, se desanexe do seu projecto os troços Poceirão-Sines e Aveiro-Leixões, integrando-os nos projectos anteriores, para
antecipar e potenciar os respectivos efeitos positivos na economia :
2.6) É importante deixar claro que esta futura rede ferroviária de bitola europeia,
vocacionada principalmente (mas não só) para o tráfego internacional de
passageiros e mercadorias, nas próximas décadas não virá substituir nem sequer
alterar a rede de bitola ibérica existente, que, tal como em Espanha, terá de continuar a assegurar
ainda por várias décadas os serviços que actualmente presta, havendo, pois, que
garantir os adequados pontos (e formas) de interface entre estas 2 redes. Haverá, isso
sim, que considerar os adequados pontos de interface entre ambas as redes ;
2.7) A esta futura rede
principal de bitola europeia deverá vir a ser adicionada uma rede complementar que lhe introduza novas potencialidades e que,
regulamentarmente, deverá ficar concluída até 2050, o que não obsta a que não
deva ser desde já estudada e até iniciada antes de 2030, se houver condições
para tal. Não consta que haja quaisquer planos oficiais para esta rede
complementar, mas não será difícil "adivinhar" que seria da maior
utilidade vir a aumentar as interligações com a rede espanhola, fechando a rede
peninsular com o Porto-Vigo, a norte, e com o Faro-Huelva, a sul, já postas em
cima da mesa na Cimeira Ibérica de 2003.
Fig. 2A –
Mapa da rede da AV acordada na Cimeira Luso-Espanhola de NOV 2003
Provavelmente, caberá também na rede complementar incluir
parcialmente a linha da Beira Baixa, na medida em que ela, podendo assegurar o
tráfego entre o sul de Portugal e Salamanca por caminho mais curto, aliviaria
tanto a futura linha do norte como a linha "Aveiro-Vilar Formoso",
podendo até simplificar (e embaratecer) estas obras, além de que, sendo uma
linha interior, iria favorecer a fixação das populações que lhe estão
adjacentes, contribuindo para melhorar a coesão social e territorial.
No Anexo que se segue, detalham-se os pormenores,
prioridades, custos e financiamentos europeus que têm sido disponibilizados
para as Redes Transeuropeias de Transportes (RTE-T) e de que, por razões
várias, não temos sabido ou podido aproveitar, apontando-se agora os procedimentos
atempados e convenientes para podermos ser bem sucedidos no próximo Quadro
Comunitário de Apoio (QCA 2021-2027). E já não dispomos de muito tempo para os
implementar.
Aqui fica o
nosso contributo.
NOTA : -
Este trabalho técnico e seu Anexo, complementar ao Manifesto, é da
responsabilidade exclusiva dos seus autores, o Eng. Elect. Luís Cabral da Silva
e o Eng. Mec. Mário Gomes Ribeiro.
ANEXO / DETALHE
I. De
que é que necessitamos
Sendo a Europa o nosso principal parceiro comercial (2/3 do
nosso comércio externo), precisamos que as ligações/transportes de superfície
possam garantir com a maior eficiência e o menor custo possíveis o cumprimento
das regras comunitárias aplicáveis, nomeadamente as de carácter ambiental e
energético, o que passa fundamentalmente pela utilização do transporte
ferroviário directo, sem transbordos ou outras roturas de carga que onerem
significativamente o preço desse transporte e que isolariam Portugal da Europa.
E, sendo Portugal um País bastante periférico relativamente ao centro da
Europa, a minimização dos custos do transporte internacional e dos tempos de
entrega, afectando tanto as importações como as exportações, é essencial para
melhorar a nossa competitividade.
Mas isso não é tudo :
Para minimizarmos tais custos, é também essencial que os operadores
ferroviários de todos os países europeus nos possam trazer o que precisamos de
importar e levar as nossas exportações, ou seja, que haja livre concorrência
internacional, libertando-nos dos interesses monopolistas que a dependência
exclusiva da actual bitola ibérica permitem alimentar. E isto tanto se aplica
ao transporte internacional ferroviário como ao rodoviário, sendo que este
último está condenado a desaparecer para percursos superiores a 300 km não
cobertos pelas “autoestradas” ferroviárias, quando as taxas dissuasoras lhe
forem aplicadas, o que poderá começar a ser aplicado progressivamente visando
fazer desaparecer da travessia dos Pirinéus o tráfego de mais de 30.000
veículos de carga pesados que diariamente os atravessam.
Urge,
pois, arrancar com a construção das nossas 2 linhas ferroviárias internacionais
que fazem parte do Corredor Atlântico, bem como a interligação entre elas, obviamente em bitola
europeia, em via dupla, projetadas para Alta
Velocidade e tráfego Misto.
Neste enquadramento, havendo várias alternativas para
os próximos passos, propôe-se que se tome como base o seguinte planeamento/calendário :
a)
Esboço urgente, caracterizando a
totalidade da rede de bitola europeia (rede principal + rede complementar) a construir até
2050 ;
b)
Definição das prioridades e do seu "timing" :
- Completar rapidamente o projecto
"Poceirão-Caia" com as extensões aos portos de Sines e de
Setúbal, ao Pinhal Novo, à Autoeuropa e à The Navigator Company na península de
Mitrena e ainda, com a introdução de um
intercambiador no Pinhal Novo, assegurar a continuidade dos comboios
internacionais (de AV) de eixos telescópicos até ao centro de Lisboa
(Entrecampos), através da ponte 25 de Abril e apresentá-lo à UE, com a intenção
de iniciar as obras logo que seja garantido o
calendário com Espanha além dos
adequados fundos de co-financiamento ;
- Iniciar imediatamente no dossier
"Aveiro-Vilar Formoso" e completá-lo até ao nível em que possa ser
submetido à UE com elevada taxa de sucesso, adicionando-lhe o troço
Aveiro-Porto também em linha nova, se tal não vier a atrasar demasiado a
apresentação do projecto ;
- Começar desde já a discutir o
Poceirão-Lisboa-Porto (ou Aveiro, se tiver sido bem sucedida a inclusão do
Aveiro-Porto-Leixões no pacote "Aveiro-Vilar Formoso), incluindo o local e
o tipo de uma nova travessia do Tejo ;
II. Plano geral da futura rede ferroviária
nacional (bitola europeia)
Se se optasse pelo nocivo hábito nacional de ignorar os
trabalhos já oportunamente elaborados e começar tudo de novo, a realização de
um Plano Geral da futura rede ferroviária nacional seria bastante morosa e
correria o risco de vir a repetir as mesmas dúvidas e opções já antes
colocadas.
A abordagem que propomos é a de reflectir no que já
anteriormente foi estudado ou proposto, perceber o respectivo enquadramento
temporal e recuperar para as condições actuais o que parecer adequado e
aplicável.
A diferença da nossa bitola ibérica relativamente ao
standard europeu é o principal obstáculo à interoperabilidade, afectando não só
a via como todo o material circulante, motor ou rebocado.
Mas nem tudo é diferente :
A nossa catenária, que é de 25 kV, corresponde à catenária standard, o
que significa que, à parte a questão da bitola, todo o material motor apenas
carece de integrar os equipamentos específicos dos sistemas de sinalização e
controlo (ERTMS), uma vez que já integram sistemas de comunicação de rádio
compatíveis ou iguais ao standard GSM-R.
Equipamentos esses
que não existem no material rebocado, que apenas fica condicionado à bitola.
A via, porém, não só carece de incorporar os equipamentos
inerentes ao ERTMS como também precisa de se “actualizar” relativamente ao
traçado (pendentes, raios de curvatura, comprimento de linhas de resguardo,
etc) e ao novo material circulante (cargas por eixo).
As nossas linhas actuais, construídas no século
XIX, em via única à excepção da linha do
Norte, tecnologia para baixas velocidades e elevadas pendentes em muitos pontos, nem com muito boa vontade cumprem
com as especificações exigíveis para linhas internacionais de Alta Velocidade da Rede Trans-Europeia e não será com uma sucessão
infindável de remendos (como há mais de 20 anos vem sucedendo com a linha do Norte)
que ficarão aptas a satisfazer padrões do séc. XXI e dar uma resposta satisfatória às
especificações de interoperabilidade.
Aliás, salvo alguma eventual excepção, as nossas actuais
linhas de bitola ibérica não precisam, para já e a médio prazo, de ser sujeitas
à migração para a bitola europeia. Mais simples, muito mais barato e
praticamente sem afectar o funcionamento da rede actual, que tem que continuar
a garantir os serviços de passageiros e de mercadorias que actualmente presta,
será construir linhas novas nos principais itinerários de grande tráfego
(analogamente ao caso das auto-estradas relativamente às estradas existentes),
para responder com economia e eficiência, e por longos anos, às oportunidades
que nos são propiciadas pelo acesso directo às redes transeuropeias. E é por isso que a UE previu
co-financiamentos generosos a 85% , infelizmente
perdidos parcialmente neste Quadro Comunitário 2014-2020.
Teremos
assim 2 redes ferroviárias distintas, que irão coexistir e funcionar articuladamente
durante várias décadas - como aliás sucede em Espanha onde a primeira linha de bitola
europeia apareceu há já 29 anos.
Vamos, pois, debruçar-nos sobre as 3 linhas, Corredor Internacional Sul, Corredor Litoral e
Corredor Internacional Norte,
que constituirão a parte nacional da rede principal (core network) do Corredor
Atlântico, que se deveriam concluir até 2030. Não se considera de momento a
rede complementar que convirá adicionar até 2050, que deverá ser discutida
para, face a uma visão global, melhor podermos avaliar as vantagens e
inconvenientes de cada linha e assim caracterizarmos as prioridades. É assim que entendemos que se deve planear a
longo prazo.
II.1 A rede principal (core network)
Esta rede, estando já caracterizada nos planos da UE,, como
mostra a fig. 1, é composta, na parte nacional, por 3 linhas :
- o corredor internacional sul, abreviadamente
designado por “Sines-Poceirão-Caia”
- o corredor internacional norte,
abreviadamente designado por “Aveiro-Vilar Formoso”
- e o corredor nacional ligando os 2 anteriores e
prolongado até ao porto de Leixões.
II.1.1.
Destas 3 linhas, só o troço
Poceirão-Caia dispõe de um projecto de execução completo e
adaptado ao tráfego misto de passageiros e mercadorias, como já foi referido, mas a
carecer de ser completado até Sines
(recorrendo à plataforma para via dupla já construída mas equipada apenas com
uma via), bem como de ser optimizado com a acessibilidade ao porto de Setúbal e
à península da Mitrena (instalando uma nova via em bitola europeia adjacente à
linha existente entre Águas de Moura e o porto de Setubal e estendendo-a até ao
Pinhal Novo recorrendo à migração imediata de uma das 2 vias electrificadas aí
existentes). A ligação à Autoeuropa e à The Navigator Company, a partir do Pinhal Novo completaria este eixo de
bitola europeia, recorrendo (por algaliamento ou não) a uma das 2 vias de
bitola ibérica existentes.
Um “cambiador” a instalar no Pinhal Novo asseguraria a
continuidade dos comboios de passageiros de eixos telescópicos no percurso
Lisboa-Madrid (e vice versa), tendo a estação de Entrecampos, que se situa bem
no centro de Lisboa e dispõe de linhas não utilizadas, como terminal
internacional.
O custo global, incluindo as extensões aqui propostas,
deverá situar-se na ordem dos 1700 M€.
Esta solução permitiria optimizar desde o início todas as
vantagens funcionais e económicas
proporcionáveis por este eixo ferroviário. Urge, pois, como já referido, adquirir
previamente os direitos do projecto feito e detido pela ELOS e submetê-lo à UE,
para ser considerado no próximo QCA.
II.1.2.
O eixo “Aveiro-Salamanca” está longe de ter um projecto.
Sendo uma linha desenvolvida em zonas montanhosas, o custo
da sua construção será bastante elevado (estimado em cerca de 4.000 M€), mesmo
atendendo a que as velocidades máximas não deverão ir muito além dos 200 km/h devido à orografia do terreno, conforme previsão da UE, portanto
já bastante abaixo do limite inferior da velocidade para a categoria 1 da AV,
que é de 250 km/h. Mas como ela estará
mais vocacionada para o tráfego internacional de mercadorias do que para o de
passageiros, esta limitação não é significativa. Mais importante será conseguir justificar os
seus benefícios face aos custos e convencer a UE a co-financiá-la, Daí que possa ser importante equacionar
soluções que conduzam à redução dos custos da sua construção e conservação, mas
sem afectarem significativamente a sua funcionalidade, procurando, por exemplo,
maximizar a utilização da plataforma de via existente entre Mangualde e Vila
Franca das Naves.
E haverá ainda que considerar a extensão da linha até ao
porto de Aveiro, uma vez que o plano da RAVE só a levava até ao local onde
supostamente iria passar a futura linha do norte de bitola europeia, a leste da
cidade de Aveiro.
Será bom atentar na solução adoptada por Espanha
relativamente às acessibilidades ferroviárias do porto de Barcelona e que,
certamente, se irá replicar nos restantes portos (corredor mediterrânico) que
venham a operar com ambas as bitolas, para acederem directa e simultaneamente
aos mercados servidos por qualquer delas :
O ramal de acesso será o já existente, mas com via algaliada a 3 carris,
para permitir o tráfego em qualquer das bitolas e não havendo necessidade de
alargar o canal de acesso. Dentro do
porto, haverá 2 feixes de linhas separados, um de cada bitola e/ou linhas com 3
carris.
Esquematicamente,
teríamos então uma directriz como a representada a verde escuro :
Fig. 3 Porto de
Aveiro-Salamanca
Atendendo ao estado físico e de saturação do troço da
actual linha entre Aveiro e o Porto e à procura potencial das indústrias e
mercados situados a norte, conviria antecipar a construção da linha de bitola
europeia para o mesmo troço, para potenciar os benefícios esperados e
consegui-los o mais cedo possível.
Há, porém, circunstâncias que poderão vir a reduzir a
importância futura da linha Aveiro-Salamanca e que se prendem com a intenção
espanhola de propôr que o próximo QCA contemple um novo eixo do Corredor
Atlântico ligando directamente à Galiza, uma vez que a linha actualmente em
construção entre Madrid e a Galiza não é adequada para o tráfego de
mercadorias.
Se a UE aceitar cofinanciar esta linha espanhola, também de
elevado custo, poderá vir a questionar
fazê-lo, parcial ou integralmente, relativamente ao Aveiro-Salamanca,
até porque o próprio mercado do norte de Portugal pode vir a preferir recorrer
à linha da Galiza. E, neste caso, a
linha Aveiro-Salamanca poderá ter de se reduzir à sua expressão mais simples e
mais barata, podendo mesmo ficar congelada por algum tempo.
Em qualquer caso, o troço
trans-fronteiriço Vila Franca das Naves-Salamanca deveria ser executado não só
porque conta com co-financiamento usualmente mais favorável como porque pode
vir a ser-nos útil, como se verá adiante.
II.1.3.
A 3ª linha,
ligando Sines a Lisboa, Porto e Leixões está ainda muito indefinida e é mesmo
de recear que não seja fácil nem rápido chegar a um consenso sobre o melhor
traçado, ainda que apenas entre o Poceirão e Aveiro.
Para norte de Lisboa, já se aventou desde um traçado pelo
oeste até às 2 alternativas propostas pela RAVE (uma das quais atravessando 2
vezes o rio Tejo).
Não faltam, pois, sugestões. Faltam, sim, estudos devidamente
fundamentados. E isso carece de tempo e de vontade para o fazer.
III. Efeitos na distribuição modal dos tráfegos
Naturalmente, haverá
tráfegos que se irão transferindo progressivamente da rede de bitola ibérica
para a rede de bitola europeia, enquanto que outros se manterão na mesma rede.
Será uma evolução previsível, mas ainda não quantificável.
Previsível será a
captação para a ferrovia de grande parte do nosso tráfego rodoviário
internacional de mercadorias, em particular para a Europa além-Pirinéus depois
da Espanha colocar a bitola europeia nos seus principais portos e plataformas
logísticas, bem como o aparecimento de novos tráfegos com origem ou destinos
nos portos servidos pela nova rede, logo que cada eixo internacional entre em
serviço, pelo que conviria dar-lhes a maior prioridade, uma vez que haverá
imediatos ganhos de competitividade relativamente ao espaço europeu.
A diferença de
bitolas que tem existido na fronteira franco-espanhola
irá deixar de ser um obstáculo dentro de poucos anos (já existe ligação em
bitola europeia desde 2014 pela Orla Mediterrânica e deverá ficar operacional
até 2023 pela Orla Atlântica dos
Pirinéus, de acordo com a recente Cimeira Franco-Espanhola), caindo um último e
enorme obstáculo à circulação ferroviária de mercadorias entre os 2 lados desta
fronteira.
Quando a rede de
bitola europeia se estender aos principais portos e plataformas logísticas,
provavelmente antes de 2030, os espanhóis verão então resolvida para as zonas
com bitola europeia ligadas a França, a
sua dependência do transporte rodoviário internacional de longo ou médio
curso. Porém, se nada for feito no mesmo sentido do lado
português, transformar-nos-emos numa ilha ferroviária, completamente dependente
das plataformas logísticas espanholas, como já atrás se alertou.
E, enquanto os comboios europeus não puderem vir até nós, continuaremos
a alimentar o monopólio dos operadores ferroviários incumbentes, os quais,
logicamente, se opõem à implementação da bitola europeia em Portugal e à
concorrência internacional daí resultante, recorrendo aos mais variados
argumentos.
IV. Planeamento,
custos e financiamentos estimados.
BASE : Ferropédia
http://ferropedia.es/mediawiki/index.php/Costos_de_construcci%C3%B3n_de_
infraestructura
V Material
circulante e operadores
A futura
rede nacional de bitola europeia só nos será útil se estiver devidamente ligada
à correspondente rede espanhola e esta, por sua vez, à rede francesa e ainda se
houver operadores ferroviários interessados em a utilizar.
Quanto à
ligação com a rede espanhola, não se anteveem quaisquer problemas, quer porque
a rede espanhola há já muitos anos que se vem desenvolvendo (e também no
sentido da nossa fronteira) quer porque as Cimeiras Ibéricas servem para isso
mesmo (coordenação). É, pois, pouco
sério do ponto de vista técnico o argumento que frequentemente ouvimos às
nossas autoridades ferroviárias de que “quando os Espanhóis puserem a bitola
europeia na fronteira, então mudamos a nossa”. E isto por 2 razões principais :
- porque
pressupõem que os nossos corredores internacionais serão os actualmente
existentes, com todas as insuficiências técnicas que se lhes conhecem e
- porque,
para mudar a bitola de uma linha usando travessas polivalentes (de dupla
fixação) como previsto pela IP, salvo para algumas excepções, ela terá que
ficar inoperativa durante meses, período em que o seu tráfego terá de recorrer
a uma alternativa, certamente rodoviária.
Além dos sobrecustos que isso envolve, haverá o risco de esse tráfego se
fidelizar na rodovia e não regressar ao caminho de ferro.
Quanto ao interesse dos operadores
ferroviários (e logísticos), é evidente que os operadores europeus que
transportam as nossas importações preferirão trazê-las directamente até
Portugal, em vez de as deixarem em Espanha, sujeitas a transbordo e a novo
transporte. É tempo e dinheiro que se
perde. E em sentido oposto, poderão
levar as nossas exportações.
Daqui resulta que
para a operacionalidade da rede de bitola europeia, nomeadamente nos corredores
internacionais, não vão ser necessários os operadores actuais (nacionais ou
não) da bitola ibérica, os quais, portanto, não serão obrigados a adquirir novo
material circulante. O material de que
dispõem continuará a servir para operarem na actual rede de bitola ibérica, que
ainda se manterá por décadas. Talvez o
seu material circulante não dure tanto.
Porém, nada os impede de, se assim o
pretenderem, se equiparem para operar na rede de bitola europeia, em regime de
concorrência aberta com os restantes operadores.
Convém esclarecer que existem comboios de
passageiros de eixos telescópicos, que podem transitar, sem paragem, de uma
bitola para a outra ao passar nos intercambiadores. É uma tecnologia espanhola completamente
estabilizada e que nasceu da necessidade de, na segunda metade do século
passado, quebrar o seu isolamento ferroviário na fronteira pirinaica. Vários fabricantes de material ferroviário
sediados em Espanha produzem material de passageiros com eixos telescópicos,
para poderem circular entre ambas as redes.
Estão neste
caso as séries da Renfe 120 e 121 (Alstom/CAF) e 130 e 730 (Talgo/Bombardier).
Situação
diversa é a dos vagões de mercadorias, em que também há projectos para a
utilização de eixos telescópicos. Porém,
esta solução irá encarecer substancialmente o seu preço para garantir a
segurança e a fiabilidade requeridas, o que acarretará um agravamento do custo
dos serviços prestados, algo contrário ao objectivo de transportar as
mercadorias ao menor preço.
A sua
produção, se vier a ocorrer, será em quantidade limitada às necessidades do
transporte de mercadorias entre as redes das 2 bitolas, quer em Portugal quer
em Espanha, únicos países com este problema, o que em nada favorecerá o seu
custo final.
De qualquer
forma, os eixos telescópicos serão sempre uma solução provisória, local ou
regional, para o transporte entre redes de bitola diferente. Mas nunca poderão constituir uma alternativa
à adopção da bitola europeia em Espanha e em Portugal, dado não resolverem a
questão essencial da INTEROPERABILIDADE FERROVIÁRIA,
que uniformiza as especificações para todos os países da UE, exactamente para
que haja livre concorrência entre operadores (e benefícios para os
consumidores), eliminando regimes de “coutadas”, que se compreende que sejam
defendidos pelos operadores acomodados, mas que não defendem os interesse dos
utilizadores.
22
Fev. 2018
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