quinta-feira, 7 de abril de 2022

Alguns argumentos contra a construção de raíz das ligações ferroviárias à Europa em bitola europeia

 



ALGUNS ARGUMENTOS CONTRA A CONSTRUÇÃO DE RAÍZ DAS LIGAÇÕES FERROVIÁRIAS À EUROPA EM BITOLA EUROPEIA



O PRR prevê que novas linhas a serem construídas em Portugal sejam apenas em bitola ibérica. As razões para justificar essa decisão são a existência por mais uma ou duas décadas duma rede ibérica em Espanha e a existência de alternativas tecnológicas que permitem assegurar os tráfegos ferroviários internacionais entre a rede ferroviária portuguesa, em bitola ibérica, e as redes de bitola europeia em Espanha e outros países europeus.

Isso é verdade, mas também é irrelevante, porque o que está em causa não é a existência de soluções mas a sua competitividade. Essas soluções, os eixos variáveis, existem em Espanha há mais de 50 anos, e no entanto este país investe todos os anos centenas ou milhares de milhões de euros do OE (mais os Fundos Europeus) em linhas de bitola europeia que, se o Governo português estivesse correto, seriam teriam sido atirados para o lixo.

Será possível que se estes sistemas resolvessem o problema da bitola de forma competitiva, os espanhóis, que têm mais de 50 anos de experiência com estes sistemas, ainda não tivessem dado por isso? Acresce que os próprios fabricantes desses eixos, recentemente melhorados para mercadorias, em contínuos ensaios e ainda não aplicáveis às locomotivas,  afirmam explicitamente “este eje permitirá que coexistan tráficos de mercancías en ambos anchos y progresivamente se pueda cambiar el ancho de la red convencional existente en España, para adaptarlo al ancho internacional, lo que implicaría mejoras en los tráficos a/desde Europa a España y en la competitividad del transporte ferroviario de mercancías” [1], ou seja, destinam-se a facilitar a transição da bitola ibérica para a bitola europeia em Espanha e não a ser uma alternativa a essa transição da bitola. E compreende-se que assim seja: estes eixos são tecnicamente muito mais complexos que eixos standard, isto é, eixos fixos, por isso mais caros e pesados. Mas sendo uma tecnologia não standard, inegavelmente de alto nível de conceção e de garantia de segurança, a sua manutenção não pode ser feita como a de vagões de eixos fixos: assim, para tráfegos internacionais, cada vez que um vagão equipado com eixos variáveis precisar de reparações terá de ser rebocado para as instalações do fabricante em Espanha, ou em alternativa, obrigará o operador a manter permanentemente instalações de apoio e manutenção em diversos locais nas redes ferroviárias além-Pirenéus. É algo que nenhum operador considerará economicamente justificado para servir apenas um pequeno mercado como o português.

No resto da Europa ninguém usa eixos variáveis para a diferença ibérica de bitolas; existe apenas um fabricante polaco para utilização de âmbito limitado nos troços de bitola europeia e russa, realizações experimentais já antigas por dois fabricantes alemães para as mesmas bitolas (prevalece o sistema de elevação das caixas e mudança de bogies nos pontos de transição bitolas europeia-russa) e um fabricante suíço para as bitolas europeia e métrica.

Outro argumento que se usa contra a introdução da bitola europeia na rede ferroviária nacional são os custos, que se afirma serem gigantescos, da ordem das dezenas de milhar de milhões de euros (recorda-se que não se pretende substituir nas próximas décadas a bitola da rede existente, mas sim construir de raiz uma rede de bitola europeia).

Como se sabe, o custo de construção de linhas novas é independente da bitola. Então a que se deveria os custos gigantescos da bitola europeia? Como a IP coloca travessas de dupla fixação na rede existente, o principal são os custos de mais tarde efetuar a mudança da bitola alterando a posição dos carris, porque durante as obras numa linha, ao contrário de obras de manutenção correntes, a circulação fica interrompida continuamente durante a duração total das obras. Mesmo tratando-se de via dupla (o que não é o caso no troço Évora-Caia, contrariamente ao procedimento espanhol, em que a maior parte do percurso Plasencia-Mérida em linha nova é em via dupla), existem riscos significativos para o pessoal trabalhando numa via com circulação na outra.

Então esses custos não se devem a construir as linhas novas da rede TEN-T em bitola europeia mas devem-se aos efeitos indiretos, na economia em geral, devido às interrupções de tráfego ferroviário durante as obras de mudança da bitola. São custos de manter a bitola ibérica agora e mudar para a bitola europeia mais tarde, em vez de construir as linhas novas de raiz em bitola europeia, ou seja, são custos da bitola ibérica e não da bitola europeia.

Note-se que de acordo com a Comissão Europeia “The new rail lines which are or will be constructed and the rail lines which are or will be upgraded on that Corridor by 2030 (e.g. Lisboa-Porto, Sines-Grandola-Lisboa-Merida) are creating a UIC gauge rail network in Portugal“ [2]. A Comissão aceita que numa 1ºfase as linhas sejam construidas em bitola ibérica e travessas de dupla fixação (travessas polivalentes), para manter as ligações a Espanha em bitola ibérica durante mais tempo, mas assume que numa 2ªfase será feita a transição da bitola. Obviamente a coordenação com Espanha dos timings de chegada da bitola europeia às fronteiras é indispensável para que haja continuidade e era isso que se deveria fazer. Por outro lado, a manutenção da bitola ibérica dificulta o tráfego de mercadorias para além de Espanha, sendo certo que em 2021 o valor das exportações de bens por modos terrestres foi, para Espanha, de apenas 40% do total de exportações de bens por modos terrestres para a UE.

Outra objeção contra a bitola europeia: mas se as linhas da rede TEN-T forem construidas em bitola europeia Portugal ficará com duas redes de bitolas diferentes: isso fará incorrer em custos adicionais nas plataformas logísticas, portos e ramais particulares, duplicando linhas ou utilizando soluções de 3ºcarril, e em custos de novo material circulante ou adaptação do existente.

É justo que acréscimos de custos inevitáveis que os operadores ferroviários a operar em Portugal tenham para converter material circulante para a bitola europeia sejam subsidiados pelo Estado, para garantir condições de igualdade na concorrência com operadores de outras redes ferroviárias que venham a operar em Portugal, e que por terem material circulante de bitola europeia, não teriam esses custos.

A existência de duas redes também tornaria provável ou inevitável a utilização de intercambiadores e comboios de eixos variáveis, tanto para passageiros como mercadorias. Todos estes custos seriam custos adicionais da construção da rede TEN-T em bitola europeia de acordo com as especificações da UE. Provavelmente concluir-se-ia que esta situação deveria ser limitada no tempo para estes custos serem temporários e não permanentes, pelo que, depois da construção das linhas novas

i)                da rede TEN-T “core”

                                   Sines/Lisboa-Poceirão-Caia;
                                   Lisboa-Aveiro-Porto/Leixões;
                                   Aveiro-Mangualde-Almeida) e

ii)              da rede “comprehensive”

Porto-Vigo;

Évora-Beja-Faro-Huelva ,

e só depois, se sucederia uma 2ª fase de migração da bitola na rede existente para a bitola europeia. Mas nessa situação, nos itinerários de grande tráfego haveria a alternativa ferroviária das linhas da Rede TEN-T, que evitaria os gigantescos custos indirectos das interrupções de tráfego nas linhas existentes, anteriormente referidos. Assim, o custo principal da 2ªfase seriam os custos diretos das obras ferroviárias.

Uma estimativa feita em 2010 [3], indicava um custo médio de 0,5 milhões de euros/km, que aplicados à rede actual com cerca de 2600km, conduziriam a um custo, em 2010, de 1300 milhões de euros. Um custo total na atualidade, tendo em conta a inflação e os ramais particulares e infraestruturas ferroviárias dos portos e plataformas logísticas, não incluídos nos 2600km, poderia fazer o custo subir para o dobro aproximadamente. Para enquadrar este valor em termos relativos refira-se que é inferior ao que o Governo tem de injector na TAP para a salvar.

Mas conclui-se, como é óbvio que a introdução e migração para a bitola europeia na rede ferroviária portuguesa terá custos relevantes, embora muito inferiores ao que os seus detratores afirmam. A questão é: vale a pena fazer esse investimento ou não? Para responder a esta pergunta temos de analisar as consequências da alternativa, a manutenção indefinida da exclusividade da bitola ibérica.

 O cenário que se coloca de perda de competitividade da rodovia no transporte de mercadorias de média e longa distância é quase consensual, por várias razões:

i)                embora os problemas de poluição possam ter soluções técnicas com energia eléctrica ou outra, não se sabe qual será a competitividade destes sistemas, sendo certo que a eficiência energética do transporte rodoviário é inferior devido ao maior coeficiente de resistência ao rolamento pneu-asfalto

ii)        os problemas de congestionamento não têm solução com o tráfego rodoviário atual; estando toda a política dos Estados Membros da UE orientada para o investimento na ferrovia, como por exemplo nos novos túneis de base sob os Alpes [4], o estudo da ligação Alemanha-Dinamarca sob o mar [5] e em particular o investimento de centenas ou milhares de milhões de euros por ano da Espanha na rede ferroviária de bitola europeia tendencionalmente projetada para tráfego misto desde 2013 (passageiros e mercadorias). Por exemplo, prevê-se que o Corredor Mediterrânico, de França a Algeciras, em bitola europeia e tráfego misto esteja pronto em cerca de 5 anos [6].

Assim, sem a rodovia de média e longa distância, o comércio de Portugal com a UE, o seu principal parceiro comercial, fica dependente da via marítima, que por causa da baixa frequência, tempo de trânsito (congestionamento com limitação de velocidade no canal da Mancha e nos acessos aos portos como Antuérpia, Roterdão e Hamburgo) e mais transbordos nas ligações a origens/destinos no centro da Europa, não é competitivo para muitos sectores de actividade (ver o Anexo 2 de [7]).

Sem o investimento nas ligações interoperáveis à Europa em bitola europeia, a maior parte das nossas exportações teria de usar as plataformas logísticas espanholas ligadas à rede de bitola europeia, mais próximas, que a curto prazo será  a de Vitoria-Gasteiz e no futuro tenderão a ser as de Vigo, Salamanca e Badajoz. Não se contesta tratar-se de um nicho de mercado que possa interessar operadores como os que atualmente exploram as redes ibéricas. Mas estas redes não têm capacidade para absorver a transferência determinada pelos regulamentos europeus de 30% da carga rodoviária.

E nestas circunstâncias, quem é que vai investir em Portugal se precisar de importar/exportar para a UE? Seria extremamente díficil captar grandes investimentos industriais para Portugal, com a excepção de alguns que pudessem ser competitivos apenas com a via marítima. Note-se que o investimento industrial é indispensável para criar e manter empregos mais bem pagos, além de também gerar empregos bem pagos no sector dos serviços. Além disso se se quiser aumentar a produtividade da economia portuguesa é fundamental dar condições de internacionalização às nossas empresas, aumentando substancialmente o valor das importações e exportações relativamente ao PIB. A situação de isolamento face à EU, que a ausência da bitola europeia em Portugal originaria, conduziria ao emprobrecimento de Portugal que ficaria sem a capacidade de evitar estar na cauda da UE em termos de riqueza produzida e nível de vida, antes pelo contrário acentuaria esta tendência.

Temos assim de pensar se vale a pena poupar nos custos da bitola europeia face a esta alternativa de exclusividade da bitola ibérica. Parece claro que não, mesmo numa comparação meramente qualitativa.

 

 

REFERÊNCIAS

[1] documento dos fabricantes espanhóis de eixos variáveis para mercadorias
https://www.azvi.es/wp-content/uploads/Ponencia-Eje-OGI.pdf

[2] resposta da DG MOVE de 3set2020
https://manifestoferrovia.blogspot.com/2020/09/resposta-da-dg-move-em-nome-da.html

[3] estimativa da CIP em 2010 para a mudança de bitola da rede existente
http://cip.org.pt/wp-content/uploads/2017/01/Ref-18.pdf

[4] tuneis ferroviários nos Alpes
https://www.yumpu.com/xx/document/read/55608766/rail-conquers-the-alps
https://www.railwaygazette.com/more-action-needed-to-secure-alpine-freight-modal-shift/55631.article

[5] túnel Femern, Dinamarca -Alemanha
https://www.vinci-construction-projets.com/es/realisations/femern-tunnel/

[6] corredor mediterrânico
https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/
https://www.granadahoy.com/granada/Granada-Corredor-Mediterraneo-Almeria-trenes-mercancias- electrificacion-ancho-internacional_0_1667835045.html

[7] documento da CIP intitulado “O conceito de reindustrialização, industria 4.0 e política industrial para o século XXI. O caso português”
https://cip.org.pt/wp-content/uploads/2017/12/Conselho_Industria_Portuguesa_final-LR.pdf).





O princípio da subsidiariedade

 

De acordo com a legislação comunitária, o princípio da subsidiariedade fundamenta o cofinanciamento de infraestruturas de transportes, de telecomunicações e de energia  e suas interligações interoperáveis com as redes europeias  .



TFUE

Art.5, nº3 - Em virtude do princípio da subsidiariedade … a União intervém … na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros … podendo …  ser mais bem alcançados ao nível da União.

Art.170, nº1  - … a União contribuirá para a criação e o desenvolvimento de redes transeuropeias nos sectores das infra-estruturas dos transportes, das telecomunicações e da energia.

Art.170, nº2 - … a acção da União terá por objectivo fomentar a interconexão e a interoperabilidade das redes nacionais, bem como o acesso a essas redes. Terá em conta, em especial, a necessidade de ligar as regiões insulares, sem litoral e periféricas às regiões centrais da União.

Art.288 do TFUE  -   O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros.

 

Regulamento 1315/2013

Considerando 52 -  Atendendo a que os objetivos do presente regulamento … o estabelecimento e o desenvolvimento coordenados da rede transeuropeia de transportes, não podem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros … e ser mais bem alcançados ao nível da União, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no art.5º do TFUE.


sábado, 1 de janeiro de 2022

Evolução no 2º semestre de 2021 da questão da interoperabilidade ferroviária nas ligações de Portugal à Europa

ADENDA JUL-DEZ 2021 ao repositório com a ligação https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=uver7A


A evolução da questão da ferrovia na Europa e das interligações ferroviárias de Portugal com a Europa além Pirineus no 2º semestre de 2021 pode seguir-se nos seguintes pontos:

1 – a viagem dos comboios Connecting Europe Express, assinalando o fim da presidência portuguesa do Conselho, em setembro, mostrando as dificuldades de interoperabilidade, a ausência de uma verdadeira rede única europeia e o longo caminho ainda a percorrer para executar o regulamento 1315/2013

2 – continua a lenta progressão do corredor mediterrânico em Espanha, estimando-se a ligação em bitola UIC de Valencia a Barcelona em 2025 e Almeria a Valencia em 2026.

https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/   

O corredor atlântico satisfazendo todos os critérios de interoperabilidade continua refém da inércia do lado português que apenas prevê linhas em bitola ibérica (e via única, embora em plataforma dupla, exceto nos viadutos) e recusa a discussão do regulamento 1315/2013 nas cimeiras ibéricas. Do lado espanhol o calendário não estará garantido em toda a plenitude das caraterísticas de Alta Velocidade e interoperabilidade até 2030:

https://www.eldiario.es/extremadura/economia/linea-alta-velocidad-madrid-extremadura-no-estara-completa-2030-ultimo-informe-gobierno_1_6477271.html

 

Sem total garantia de cumprimento dos prazos, prevê-se a ligação em bitola UIC de Vitoria a Irun em 2022 e a conclusão do Y basco em 2026 . Ligação a Asturias (Oviedo, Gijon) em 2023 e a Burgos 2023:

https://www.elespanol.com/invertia/observatorios/movilidad/20211127/ave-viene-corredores-completaran-alta-velocidad-espanola/630187672_0.html

 

Em dezembro de 2021 foi inaugurada a ligação em Alta Velocidade com bitola UIC e ERTMS ente Madrid e Ourense, fazendo-se em continuidade a ligação a Santiago graças ao material circulante com eixos telescópicos.

 

3 – Em 28out2021 realizou-se em Trujillo a cimeira hispano-portuguesa. Mais uma vez foi perdida a oportunidade de coordenar com Espanha um plano para a dotação da península ibérica com ligações ferroviárias sem barreiras técnicas, para passageiros e para mercadorias, nomeadamente com bitola UIC e ERTMS e de acordo  com os corredores internacionais da redes TEN-T. https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/carta-enviada-ceioph-proposito-da.html

4 - A realização no LNEC em Lisboa do seminário “Shaping the future of the Mobility” promovido pelo Centro Rodoferroviário Português e pela UIC em 10 a 12nov2021 veio mostrar mais uma vez as boas intenções das entidades comunitárias, incluindo a senhora comissária Adina Valean, mas que não se traduzem em medidas concretas de apoio e dinamização dos traçados que servem a península ibérica, especialmente no caso muito grave dos atrasos do corredor atlantico, nem em evitar o adiamento da segunda linha Hendaye-Bordeus para 2037, o que acentua o estrangulamento da saída de mercadorias  da península ibérica pelo corredor atlântico):  https://manifestoferrovia.blogspot.com/2021/12/comentarios-ao-seminario-shaping-future.html

5 – Uma série de artigos da Investigate Europe e do jornal Público pôs a nú o estado desesperado da ferrovia na Europa e o que distante está a rede portuguesa da plena integração, com os prejuízos para as exportações e para a eficiência energética nas ligações aéreas Lisboa-Madrid (sem deixar de criticar a inércia que também se verifica nos países da Europa central):    https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/a-ferrovia-na-e-para-europa-apreco-pelo.html

6 - Em 14 de dezembro a CE emitiu uma declaração propondo o desenvolvimento das ligações transfronteiriças ferroviárias de passageiros. Lamenta-se a ausência de referências às ligações de Portugal à Europa e a sua integração na rede “core” TEN-T, apesar de manifestar disponibilidade para a integração do troço Porto-Vigo na rede “comprehensive de 2050:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/atualidade-ferroviaria-na-legislacao-da.html

7 - O regulamento 1316/2013 (CEF) foi entretanto substituído pelo 2021/1153 entre outras razões pela saída do UK da UE.  Destaca-se o considerando 15 que lista formas de investir nas ligações transfronteiriças e remete para o art.47 do regulamento 1315/2013 referindo o apoio do coordenador dos corredores internacionais para a elaboração do plano de atividades. (Nota: não tem sido aplicado às ligações de Portugal à Europa além Pirineus, mantendo-se o desprezo da DG MOVE pelo cumprimento da parte portuguesa da rede “core” TEN-T).

https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2021/1153

Existe também uma proposta para revisão do regulamento 1315/2013 embora essa revisão estivesse prevista apenas para 2023. Conforme as intenções do Green Deal e o Fit for 55, o objetivo de transferência de carga rodoviária para a ferrovia em distancias superiores a 300 km deverá manter-se, ou ampliar-se, apesar de ter deixado de figurar no regulamento 1153. Infelizmente, como afirmou o presidente da Medway, não existem percursos em bitola UIC para as nossas exportações, que gostaria de ter, seria para ele o ideal, mas que não existem. https://www.railwaygazette.com/in-depth/freight-medway-takes-on-the-trucks/59909.article

8 - O relatório da ERA de set2021 constata o estado lastimoso da implementação da rede única europeia interoperável, quer para passageiros, quer para mercadorias. É do contraste entre essa constatação e a inércia e a condescendência com os interesses noutras soluções de transporte para a Europa que pode afirmar-se a posição dúplice da CE com as suas bonitas palavras em discursos como os que acompanharam a viagem do Connecting Europe Express ou os proferidos nos seminários do International Year of the Rail.

https://www.saferail.nl/ERA/ERAPUBLICATIONS/2021_Interoperability-Overview.pdf

 

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/11/o-que-diz-adina.html

 

9 - Como fundamentação para a urgência na promoção das ligações de mercadorias à Europa pela ferrovia, resumem-se os valores das exportações para a Europa e para Espanha  de janeiro a outubro de 2021 por todos os modos (marítimo cerca de 35%, ferroviário menos que 1%, rodoviário 60%)

para Espanha:         13775 milhões de euros (M€)     ou   11,325 milhões de toneladas (M ton)

para o conjunto

Alemanha+França+P.Baixos:              14713 M€         ou        5,449 M ton

 

Verifica-se assim que o valor das exportações para além de Espanha, para aqueles 3 países, ultrapassa o valor para Espanha apesar de ser menor em toneladas. Considerando para além dos 3 países a Bélgica, o UK, o Luxemburgo e a Itália atingiu-se  21173 M€  ou   8,106 M ton  . São tudo números superiores aos de 2019.

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008151&contexto=bd&selTab=tab2

Interessante recordar o valor das exportações em 2020 por região de origem e por todos os modos, verificando-se a predominância da região norte e centro, o que justifica a prioridade para o transporte de mercadorias por caminho de ferro para uma nova linha Aveiro-Mangualde-Salamanca conforme o regulamento 1315/2013 beneficiando de menores pendentes e maiores raios de curvatura do que a beneficiação da linha da Beira Alta:

Norte          15,3  M€

Centro            8,0 M€

AML e Sul    13,3 M€

 

A verificar-se uma transferência significativa do modo rodoviário para o ferroviário, as obras de beneficiação da rede ibérica existente em via única serão insuficientes para suportar o tráfego desejado, embora a IP mantenha que será suficiente a capacidade de 13 M ton da via única Sines-Caia (ver minuto 3 do vídeo seguinte que confirma a sintonia com a DG MOVE; no minuto 4 discorda-se da afirmação que do lado espanhol todo o troço Plasencia-Badajoz também está em via única; no minuto 9 confirma-se que o problema das pendentes fica por resolver; no minuto 10:30 discorda-se de que seja eficiente a coordenação com Espanha quando das cimeiras não saem bons resultados; no minuto 11:30 manifestam-se reservas quanto ao interface STM para o CONVEL com o ERTMS em vez da substituição do CONVEL) :

https://www.youtube.com/watch?v=_aZ3tMcxLUo

 

Julga-se que os números acima, bem como a necessidade de redução da pegada ecológica por substituição das ligações aéreas a Madrid, recomendam a urgência de um plano credível para ligação à Europa através dos corredores atlânticos norte e sul em bitola UIC e ERTMS, caso se pretenda efetivamente cumprir os objetivos ambientais, reforçando o papel da ferrovia na Europa  entendida como espaço coeso (para o objetivo de coesão ver por exemplo o considerando 11 do regulamento 1315/2013 e os objetivos de coesão, interligação e interoperabilidade, para passageiros e mercadorias, expressos no art.4 do mesmo regulamento). 

Para conseguir uma transferência significativa do tráfego rodoviário de mercadorias para a ferrovia será necessário promover  o transporte de camiões ou semirreboques por comboio, como já é prática habitual em Espanha e é ilustrado por recente notícia da Noruega:

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/12/autoestradas-ferroviarias-os.html

Impõe-se portanto uma alteração da política de sintonia da DG MOVE com a estratégia do XXII governo português, de exclusividade da bitola ibérica, vias únicas e preferência por beneficiação de linhas existentes. se necessário invocando o art.5 do TFUE relativo à subsidiariedade e apoio da CE no caso de limitações financeiras do país em causa, e, eventualmente, com recurso à ombudswoman da UE justificado com os prejuízos económicos para o país devidos ao estrangulamento das suas exportações para a Europa.

 

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Carta para a CEIOPH a propósito da cimeira hispano-portuguesa de Trujillo de 28out2021

 

Caro Deputado Hugo Costa

Caros Deputados da CEIOPH

 

 

Tomámos conhecimento com satisfação da realização do fórum parlamentar hispano-português em 4 de outubro.

Os temas tratados vêm ao encontro das preocupações de muitos de nós e a tomada de medidas concretas e não contemporizadoras é indispensável para o crescimento económico e o bem estar dos cidadãos.

 

No domínio das interligações ferroviárias com a Europa vimos novamente (foi-nos concedida uma audiência em abril de 2021), agora no contexto da próxima cimeira de 28 de outubro, solicitar os esforços da CEIOPH  no sentido da alteração da estratégia de exclusividade da bitola ibérica e promoção do cumprimento dos objetivos da rede única europeia TEN-T conforme expresso nos regulamentos 1315 e 1316/2013 segundo os padrões totais da interoperabilidade, que envolvem, entre outros, a bitola e o ERTMS.

 

Tais objetivos obrigam a uma intensa coordenação com os nossos vizinhos espanhóis e a uma posição firme nas negociações para que Espanha não constitua um obstáculo às trocas comerciais com o resto da Europa, imperativo partilhado com as interligações energéticas de eletricidade e gás, e na gestão da água.

 

Como justificação da nossa pretensão enumeramos:

  1. A natureza vinculativa dos regulamentos da UE, isto é, são lei. Embora o ECA (Court of European Auditors, o Tribunal de Contas Europeu) sublinhe a competência dos Estados Membros em definir as datas de execução, não deixa de referir que os regulamentos são linhas de orientação vinculativas. Verificando-se contemporização por parte da CE, da DG MOVE e do próprio coordenador do corredor atlântico, o qual reconhece com displicência que em 2030 Portugal e parte significativa de Espanha não estarão ligados em bitola UIC ao resto da Europa, cabe-nos denunciar esta situação ilegal que não pode ser ultrapassada com lisura apenas alterando a letra no processo de revisão dos regulamentos.                                                                                                                                                   

 Não se contesta a maior parte das meritórias ações em curso de recuperação da rede e do material circulante existentes, mas não podemos aceitar a obstrução por omissão, quer em Portugal quer em Espanha, à introdução da bitola UIC e do ERTMS no corredor atlântico, que permitiriam aumentar as exportações.     
Compreendemos a estratégia concertada pela IP com os operadores privados de transporte de mercadorias (cuja competência não se põe em causa) e defendida pela IP nos agrupamentos europeus de interesse económico AVEP (Alta velocidade Espanha Portugal) e RFC4 (corredor atlântico anterior ao regulamento 1315) de que fazem também parte a ADIF, a SNCF e a DB.

Os constrangimentos financeiros convidam a adiar os investimentos e paliativos como travessas polivalentes ou eixos variáveis ajudam a esconder o problema, mas o objetivo 2030 é uma lei da UE que deve ser cumprida, beneficiando do financiamento comunitário e, se necessário, da aplicação da regra vinculativa da subsidiariedade quando localmente não há recursos ou capacidade para a execução.

  1. As exportações portuguesas por todos os modos para a Europa além Pirineus ultrapassam já, segundo as estatísticas do INE, o valor das exportações para Espanha (o facto de em tonelagem isso não acontecer mostra que os produtos para Espanha têm menor valor acrescentado).   

 O valor das exportações por todos os modos para a União Europeia em 2020  (em milhões de euros: 15,3 com origem na região norte, 8 na região centro, 13,3 na região sul) justifica a proposta dos dois corredores norte e sul do corredor atlântico , juntamente com o imperativo do regulamento 1316 de transferência do modo rodoviário de mais de 300 km para o modo ferroviário. Para este objetivo considera-se essencial, a exemplo de Espanha, promover o transporte de camiões ou de semirreboques em vagões de caminho de ferro.

O porto de Sines, se ligado à Europa segundo os padrões da interoperabilidade poderá também desempenhar um papel importante no crescimento da economia nacional, considerando as perspetivas de industrialização da região e que a viagem de barco até Hamburgo, Roterdão ou Antuérpia pode ultrapassar dois dias enquanto uma ligação ferroviária a Mannheim, segundo aqueles padrões, poderá ser cerca de um dia e meio.       

Recordamos o projeto Poceirão-Caia em bitola UIC cujo valor negociado foi inferior a 1500 milhões de euros e com garantia de um financiamento comunitário de 60% . A aquisição pelo Estado dos direitos do projeto de execução do consórcio ELOS para a ligação Poceirão-Caia, em vez do pagamento da indemnização por anulação do contrato, poderia ser um momento decisivo no arranque de uma nova política, conducente à viabilização numa primeira fase da ligação em alta velocidade Pinhal Novo-Madrid e de mercadorias Sines/Setúbal-Madrid em bitola UIC e ERTMS .

  1. A construção de linhas novas, em que a diferença de custos de instalar bitola ibérica ou bitola UIC é irrelevante, permite, por redução das pendentes e das curvas, ganhos energéticos e redução de emissões de gases com efeito de estufa significativos, como aliás estudos da IP confirmam, bem como uma superior competitividade tanto no transporte de passageiros como de mercadorias.                                                                                                           

Compreende-se a atribuição por Espanha de um menor grau de prioridade em garantir um percurso em bitola UIC para os comboios de passageiros ou de mercadorias de Portugal para a Europa (ou de garantir uma ligação ferroviária Lisboa-Madrid competitiva com o avião) dado que Portugal não oferece continuidade dessas linhas em bitola UIC no território português. Esta razão e a necessidade em Espanha de priorizar investimentos  gerou o interesse em investir primeiro no corredor mediterrânico e no Y basco (este integrado no atlântico). No entanto, por razões de coesão nacional nenhuma região de Espanha será marginalizada, prevendo-se posteriormente a extensão da rede de bitola UIC a todas as regiões de Espanha. É assim inaceitável a manutenção da natureza periférica da ferrovia nacional, por mais cordatas, mas contemporizadoras, que possam ser as declarações da comissária europeia dos transportes ou do coordenador do corredor atlântico em eventos como os do 2021 Year of the Rail. 

 

Ainda contra o argumento por demais utilizado de que Espanha nada faz para melhorar a sua ligação em UIC ao resto da Europa, permitimo-nos enviar duas ligações em que se pode ver o entusiasmo e a mobilização com que é tratado o desenvolvimento do corredor mediterrânico, em contraste com o atlântico:

 

https://youtu.be/-LeTLs9T7hQ 

https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/   

 

Recordamos ainda os pareceres críticos do ECA sobre a ineficiência da Comissão Europeia nos trabalhos de implementação da rede única europeia ferroviária nos relatórios de 2016 e de 2020 (ver neste último a página 8 com o mapa das redes TEN-T incluindo o corredor atlântico a amarelo, e a página 19 relativa à Península Ibérica):

 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR16_08/SR_RAIL_FREIGHT_PT.pdf 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR20_10/SR_Transport_Flagship_Infrastructures_EN.pdf 



Caso os deputados da CEIOPH queiram aprofundar ou encarregar assessores de o fazer, poderão encontrar mais informação em:

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=BdjXbe

 

 

V.Exas perdoarão a assertividade do que afirmamos, mas a estratégia seguida pelo XXII Governo não serve o interesse público e compromete, dado o prazo longo de execução de grandes investimentos, o cumprimento dos objetivos dos regulamentos 1315 e 1316 de integração na rede única europeia e de redução das emissões de gases com efeito de estufa.  

A construção dos 2 ramos nacionais/internacionais do Corredor Atlântico (Aveiro-Salamanca e Sines/Lisboa-Badajoz) é urgente, dada a melhoria tanto da nossa competitividade externa daí resultante como da acessibilidade internacional que é um dos fatores essenciais para a atração de investimento industrial internacional e de fixação e crescimento económico.        


A Assembleia da República, com competências definidas na Constituição no ordenamento do território e na apreciação da construção da União Europeia, constitui assim, através da CEIOPH, uma esperança de mudança favorável ao crescimento económico.



Estamos ao vosso dispor para esclarecimentos adicionais

 

Lisboa 20 de outubro de 2021

 

 

Arménio Matias     engenheiro. ex presidente da CP

Eugénio Sequeira   engenheiro, ex presidente da Liga de Proteção da Natureza

Fernando Mendes  engenheiro, empresário

Fernando Santos e Silva  engenheiro, ex técnico do metropolitano de Lisboa

Henrique Neto   empresário

Luis Cabral da Silva engenheiro, ex técnico da REFER

Manuel Ferreira dos Santos  engenheiro

Mario Lopes   engenheiro, professor universitário do IST

Mario Ribeiro   engenheiro, ex técnico da TAP

Rui Rodrigues   consultor de transportes

 

 

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A ferrovia na e para a Europa - apreço pelo jornalismo da Investigate Europe na divulgação da problemática da ferrovia

 

Caro Carlos Cipriano

 

Como cidadão, agradeço-lhe a série de artigos sobre a ferrovia, quer europeia, quer nacional, que tem vindo a publicar no Público.

Os agradecimentos são naturalmente extensíveis ao colega Paulo Pena, nos artigos da Investigate Europe,   ( https://www.investigate-europe.eu/en/2021/whats-the-problem-with-european-railways-your-questions-answered/

https://www.investigate-europe.eu/en/2021/derailed-europe-railway/   )

 

Sobre os artigos da Investigate Europe e os artigos no Publico “o grande descarrilamento” e “os comboios têm um problema de comunicação”          (https://www.publico.pt/2021/11/28/economia/investigacao/comboios-descarrilamento-europeu-1986118    ;     https://www.publico.pt/2021/11/28/economia/noticia/comboios-europeus-problema-comunicacao-1986120 ) , gostaria de comentar que a análise do vosso colega Amilcar Correia (Investigue-se) está corretíssima quando apelida a política da Comissão Europeia de “dúplice”. Como diz o dicionário, dúplice significa dissimulada, falsa, fingida, ardilosa, enganosa, hipócrita. Porquê? Porque são muito bonitas as palavras que ouvimos nos seminários do International Year of the Rail de que a ferrovia é o melhor caminho para o Green Deal e blá, blá. Mas depois vem a senhora comissária Adina dizer que não podem obrigar nenhum operador a explorar travessias transfronteiriças não viáveis comercialmente  (http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/11/o-que-diz-adina.html ). Vem também a assessora do coordenador do corredor atlantico informar que a estratégia da CE/DG MOVE está em sintonia com a do governo português e que as análises custo benefício para as interligações ferroviárias além Pirineus são “pobres” e por isso só se poderá fazer o up grade da rede existente  (https://manifestoferrovia.blogspot.com/search?q=isabelle ). Fizeram alguma ACB para poderem dizer isso? A evolução das exportações contraria a opção de ficarmos reduzidos ao mercado ibérico (ver números adiante).

Essas declarações contradizem o estabelecido no regulamento 1315 (objetivo: espaço único coeso e redes transeuropeias), no Tratado de Funcionamento da União Europeia (política de coesão abrangendo região periféricas) e no regulamento 1316 (transferência de carga rodoviária para o modo ferroviário), contradizem ainda os objetivos do Green Deal e do Fit for 55.[1]

O coordenador do corredor atlantico existe para acelerar a execução dessas ligações até 2030, conforme o regulamento 1315.

 

Por isso são dúplices e merecem severo comentário, sugerindo eu encaminhamento das reportagens da Investigate Europe para a ombudswoman da União Europeia.

 

Não parece ser este o entendimento do governo português, através do senhor ministro das Infraestruturas, ao centrar a discussão com a CE na liberalização e na separação de operadores e gestores de infraestruturas (“separação roda-carril”), e ao abster-se de promover as referidas interligações de acordo com todos os parâmetros da interoperabilidade e de acordo com os traçados do regulamento 1315. Trata-se, a liberalização e a separação operação/infraestruturas,  de uma questão interessante, mas, salvo melhor opinião e fundada em experiência profissional mais sólida do que a minha (apenas testemunhei a separação no metro de Londres, com a estrondosa falência de uma das companhias de infraestruturas, enquanto aconteciam acidentes com recém chegados operadores privados no UK, na Belgica, na Holanda, na Alemanha; não admira que os incumbentes de França e da Alemanha sejam prudentes) é uma questão académica, especialmente porque o regulamento 1370/2007 admite a coexistência pacífica de Estados membros com operador/infraestrutura fundidos e Estados membros com eles separados, com empresas incumbentes e com empresas privadas.[2]

 

É portanto uma questão falsa que no contexto atual serve para desviar a atenção do objetivo 2030 das redes transeuropeias, com a indispensável coordenação com Espanha e incluindo o início urgente da preparação das autoestradas ferroviárias (transporte por comboio de camiões ou semirreboques).

 

Sobre outros artigos publicados recentemente no Público, gostaria de comentar:

- “projetistas contra-atacam”      (https://www.publico.pt/2021/12/04/economia/noticia/projectistas-contraatacam-criticam-governo-atrasos-ferrovia-2020-1986798 ) – este é mais um exemplo dos malefícios da lei da contratação pública. Em 2008, durante a fase de divulgação pública da lei pelo gabinete de advogados seu autor, tive oportunidade de propor sugestões que foram olimpicamente recusadas. De facto o critério não pode ser principalmente o preço e deve considerar-se a valia técnica da proposta, as referências e experiência do proponente. Deve utilizar-se a pré qualificação e só abrir as propostas económico-financeiras depois de classificadas as propostas técnicas. Do concurso deverá constar um anteprojeto com os traçados minimamente  avaliados, aliás condição essencial para uma correta ACB “ex ante” (como se receia o que vai ser o concurso para a nova linha Lisboa-Porto…)

- “congelamento de 5% da privatização da CP                     Carga”     (https://www.publico.pt/2021/12/05/economia/noticia/governo-congela-privatizacao-parte-cp-carga-1986533 ) – já é de suspeitar se como dizem os sindicatos a privatização foi quase uma oferta, mas vamos reconhecer que a gestão da Medway e da Takargo é correta e garante empregos (critica-se a politica oficial por exemplo pelo desmantelamento do terminal da Bobadela e pela inercia que não deixa resolver o problema do ERTMS), pelo que é inadmissível que não se execute a distribuição dos 5% pelos trabalhadores .

A propósito da referência a Carlos Vasconcelos/Medway neste último artigo, cito-o numa entrevista à Railway Gazette de 1out2021:

 

“It’s evident that I, as a railway operator, would like to have standard gauge. It would be much easier. I don’t have to arrive at the border with France and change bogies or trains. It would be much easier to have standard gauge freight routes across the Iberian peninsula, but they don’t exist.”

 

Numa altura em que as exportações portuguesas de bens crescem:

- em 2020 exportaram-se para Espanha por modos terrestres 10,1 milhões de toneladas e para os principais destinos europeus 5,1 milhões de toneladas;

- de janeiro a setembro de 2021, o total de exportações cresceu 4,8% relativamente ao mesmo período de 2019 (pré pandemia);

- de janeiro a setembro de 2021 exportaram-se para Espanha 10 milhões  de toneladas  e para os principais destinos europeus 7 milhões de toneladas (quase tudo por camião em ambos os casos).

Com este crescimento, é lícito tirar a conclusão que, se como diz Carlos Vasconcelos, com a bitola standard é mais fácil mas ela não existe entre Portugal e o resto da Europa, então o que há a fazer é instalá-la para benefício das exportações (e menor pegada ecológica nas viagens Lisboa-Madrid de passageiros).

Nem que para isso se tenha de invocar o princípio comunitário da subsidiariedade (apoio da UE quando o Estado membro não consegue, art.5 do TFUE).

 

Reiterando o apreço pelo vosso trabalho, envio

 

os melhores cumprimentos

 



[1] art.93 do TFUE ,  considerandos 37 e 49 do regulamento 1316/2015 que tratam dos serviços públicos nacionais e internacionais e reembolsos em serviços não comercialmente viáveis, art.4 do regulamento 1315/2015 que determina os objetivos da rede única ferroviária europeia e art 50 (projetos transfronteiriços)

[2] considerandos 5 e 12 do regulamento 1370/2007.

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