A REDE TRANSEUROPEIA FERROVIÁRIA
EM PORTUGAL E O PNI 2030
Atualização
em 28 de abril de 2019 – relatório da DG-MOVE (CE) de março de 2019; anteprojeto do plano ferroviário até 2040 do
BE; cofinanciamentos da CE do programa CEF (Connecting Europe Facility) 2014-2020;
declarações do ministro de Infraestruturas de 23 de abril de 2019
A campanha eleitoral para o Parlamento europeu e a
questão associada a esta do financiamento comunitário de infraestruturas,
justificarão que se lhe dê destaque, pela sua importância para a economia do
país, numa altura em que urge preparar as candidaturas aos financiamentos
comunitários e em que já foi definida a missão do CSOP (Conselho superior de
Obras públicas).
Depois da sessão no plenário da Assembleia da
República de 14 de fevereiro de 2019, em que foi discutida a questão da
interoperabilidade ferroviária e da bitola UIC, mantem-se o anteriormente
anunciado pelo primeiro ministro – “a alta velocidade ferroviária em Portugal
será um tabu por muito tempo”.
Ficou patente no debate que a posição do XXI
governo de não planear qualquer instalação de bitola UIC em território nacional
é apoiada pelo PS, pelo BE (embora posteriormente este partido tenha
apresentado o anteprojeto de um plano ferroviário até 2040 muito interessante
por prever a rede transeuropeia em Portugal), pelo PCP e pelo PEV. Opuseram-se
a esta posição o PSD e o CDS.
A melhor definição da posição do governo tinha sido
dada pelo próprio ex-ministro do planeamento e infraestruturas, ao declarar que
a bitola ibérica servia de proteção natural contra a concorrência de operadores
estrangeiros.
Isto é, a posição oficial dá cobertura efetiva à
atividade das operadoras de transporte ferroviário de mercadorias cuja
estratégia assenta no aproveitamento da rede de bitola ibérica remanescente,
incluindo em Espanha. Assinale-se que isto configura uma incompatibilidade com
os princípios do tratado de funcionamento da União Europeia e pode dar origem a
uma multa da Comissão, havendo já um precedente.
Em contraste com esta posição estão posteriores
afirmações do primeiro ministro, criticando o protecionismo da UE e defendendo
a colaboração com a China para desenvolver o papel do porto de Sines tanto no
eventual prolongamento da nova rota da seda (“one belt, one road”) de Madrid a
Sines, como na receção de produtos por via marítima e sua reexportação para a
Europa (caso do gás natural de origem nos USA, por exemplo).
No entanto, estas declarações do primeiro ministro
não são suficientes para alterar a posição oficial, que poderá sintetizar-se na
frase do ex secretário de Estado no referido debate na AR: “Portugal terá a
bitola UIC quando Espanha o decidir”, coisa que soa a limitação de soberania. E
de facto, tal como na questão das interligações energéticas e da gestão das
águas, parece ser esse o acordo entre os governos português e espanhol,
permitindo assim a Espanha adiar os investimentos nas ligações transfronteiriças
com Portugal e concentrar-se em outras regiões suas e nas ligações a
França. Ver o programa da ADIF para o
corredor atlantico para 2019-2025 em:
Nestas circunstâncias,
parece muito pouco provável que Portugal cumpra a sua parte do corredor atlântico
da rede básica de 2030 das redes transeuropeias TEN-T definido pelos
regulamentos da CE 1315 e 1316.
O recente relatório
da Direção Geral da Comissão Europeia da Mobilidade e Transportes, de março de
2019,
não veio definir
claramente um calendário da instalação das novas linhas ferroviárias de
interoperabilidade plena em Portugal, mantendo o impasse da imobilizante
descoordenação com Espanha do corredor atlântico, da incompreensão das
vantagens da ligação Sines/Lisboa-Porto/Leixões em linha integralmente nova com
bitola UIC para passageiros (com evidente vantagem comparativa relativamente à
aérea) e para mercadorias e da repetida incorreção de considerar que a
beneficiação de troços existentes se integra no empreendimento do corredor
atlântico.
O XXI governo, em
vez de dar ouvidos aos pareceres dos técnicos contrários à sua política
ferroviária, mantem a confiança nos AEIE e desenvolveu um “marketing” para
iludir a questão da ligação à Europa querendo fazer crer à CE e aos cidadãos
que está a trabalhar para essa ligação, nomeadamente através dos pretensamente
chamados “missing links”. Exemplo desta estratégia é a divulgação, como se
fossem significativas ações para a ligação ao centro da Europa, do cofinanciamento
no programa CEF2014-2020 de construção 118 km de via única em bitola ibérica
Evora-Caia (118km, cofinanciamento de 128 milhões de euros, 40%, corredor
atlantico sul), e de melhoramentos na linha da Beira Alta Pampilhosa-Vilar
Formoso (202km, 376 milhões de euros, configurando um desvio do conceito do
corredor atlantico norte interoperável Aveiro-Mangualde-Almeida).
Enganadora
publicidade, porque será irrelevante o aumento de competitividade dos portos de
Sines, Aveiro e Leixões devido à via única e bitola ibérica, e porque continua
muito longe a interoperabilidade das ligações aos portos e a linha de alta
velocidade para tráfego misto Lisboa-Madrid, ficando por cumprir o objetivo
anteriormente assumido de 2030.
Em 23 de abril de
2019, na Assembleia da República, numa audição pública na Comissão de Economia
e Obras Públicas, sobre o PNI2030, infelizmente não publicitada, o senhor
ministro das Infraestruturas classificou o tema da bitola como um fetiche de
quem não quer debater a ferrovia (do dicionário: fetiche – objeto a que se atribui poder sobrenatural e se
presta culto), o que parece ser uma afirmação profundamente desconsideradora e
injusta para os técnicos e cidadãos que defendem a interoperabilidade plena no
cumprimento dos regulamentos da CE. Ver: http://webrails.tv/tv/?p=39958
Existem em Portugal
movimentos de opinião que tentam alterar a estratégia oficial e conseguir o
planeamento da construção de linhas de plena interoperabilidade, incluindo portanto
a bitola UIC, a concretizar com apoio de fundos comunitários o mais próximo possível
de 2030. Citam-se os exemplos da CIP, Confederação Empresarial Portuguesa, da
AFIA, Associação de Fabricantes para a Industria Automóvel e do setor
exportador. Conhecem-se os riscos da melhoria dos canais de ligações
internacionais de mercadorias para aumento das importações, mas numa ótica de
vantagem comparativa de David Ricardo essa melhoria potencia também as
exportações e o investimento estrangeiro e, no caso de Sines, permitirá cobrar
uma taxa de passagem sobre as mercadorias chegadas ao porto e levadas depois
por ferrovia para a Europa, incluindo as regiões espanholas diretamente
interessadas da Extremadura, Madrid e Andaluzia. Aliás, basta ver na fórmula do
PIB a relevância das exportações, do investimento (cofinanciamento) comunitário
e do investimento privado (este estimulado pelo efeito multiplicador do
investimento comunitário e pelo investimento público). Como fator positivo refere-se o anteprojeto de
um plano ferroviário até 2040 apresentado pelo Bloco de Esquerda em 13 de
abril, prevendo a construção de linhas novas de plena interoperabilidade,
incluindo bitola UIC, integradas no corredor atlantico norte e sul e na ligação
Lisboa-Porto:
Por isso, para quem defende a política da
interoperabilidade plena da ferrovia, foi bem-vinda a entrevista do diretor da
DG Regio, a direção de política regional e urbana da Comissão Europeia, Rudolf
Niessler. Foi muito claro o seu desejo que se concretize a ligação de alta velocidade
Lisboa-Madrid, que não seja apenas em Espanha que se desenvolvem redes de alta
velocidade (bitola UIC para passageiros e mercadorias) e que se corrija a
distorção do excesso de deslocações em transporte individual nas áreas
metropolitanas. Espera por isso que seja aproveitado, para viabilizar o
investimento necessário, o próximo quadro comunitário 2021-2027. Ver:
Em anexo um
pequeno folheto em que se tenta sintetizar a situação da nova ferrovia em
Portugal e das ligações à Europa além Pirinéus com integração nas redes
transeuropeias, com a argumentação e as
questões associadas.
FOLHETO
DE DIVULGAÇÃO DA QUESTÃO DA NOVA FERROVIA EM ABRIL DE 2019
“A razão pela qual não
existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não
é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os
lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e
rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de
financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em
infraestruturas na Europa.
Daniel
Gros, em 2015, diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus
Enunciado do
problema:
Sabendo
como são necessárias as interligações ferroviárias com a Europa além Pirineus,
como eliminar a insuficiência dessas interligações?
Obs.- a inexistência de ligações
ferroviárias competitivas, isto é directas, sem transbordos, ao centro da
Europa, em particular para mercadorias, terá efeitos muito negativos na
economia portuguesa exportadora
Situação
atual
·
Incapacidade da rede ferroviária nacional e
constrangimentos em Espanha e França
·
Bloqueio efetivo por incumprimento do mapa da
rede básica da rede transeuropeia de transportes (TEN-T) para 2030
Obs.- os troços em construção Évora-Elvas não estão
corretamente integrados na ligação de alta velocidade/mercadorias
Lisboa/Sines-Madrid;
Atrasos nas linhas de AV/mercadorias Madrid-Badajoz, Madrid-Burgos, fronteira
portuguesa-Salamanca-Valladolid, Hendaye-Dax-Bordeus
Qual a
estratégia do XXI governo para o problema?
Não
tem, ou melhor, delegou nos AEIE AVEP (passageiros) e Atlantic corridor RFC4
Obs.- AEIE - Agrupamentos europeus de interesse económico
(IP,ADIF,SNCF,DB); AVEP - Alta
velocidade Espanha Portugal
Qual é a
proposta dos AEIE?
Servir
com bitola ibérica e por vezes com locomotivas diesel as plataformas logísticas
de Vigo, Salamanca, Badajoz e, principalmente, Vitória, a 120km de Hendaye,
ligada a França em bitola UIC após 2023
E qual é a
solução da União Europeia?
É
o mapa da rede básica (TEN-T) para 2030,
conforme os regulamentos da UE 1315 e 1316 (mecanismo interligar a Europa),
cuja parte portuguesa inclui:
·
o corredor atlantico norte Aveiro-Salamanca
·
o corredor sul Lisboa/Sines-Madrid
·
a ligação Lisboa-Porto/Leixões
Obs.- como
consequência da delegação nos AEIE, o coordenador da CE da rede TEN-T/corredor
atlantico, já prevê para 2030 Portugal sem bitola UIC, isto é, sem interoperabilidade,
o que deverá reverter-se
Porquê preferir a solução ferroviária de plena interoperabilidade,
incluindo bitola UIC?
·
porque o transporte ferroviário não tem as
contraindicações ambientais do rodoviário nem a morosidade do marítimo
·
porque o consumo específico de energia por
passageiro-km é inferior aos outros modos de transporte, incluindo o aéreo, e é
de origem renovável
·
porque o consumo por tonelada-km de mercadorias
é inferior em linhas novas e logo os custos operacionais inferiores
Obs.-
linhas novas: menos curvas, menos declives; analogia rodoviária: não se
aproveitam estradas antigas quando se constroem auto-estradas; considerando
(11) do regulamento 1316: transferência até 2030 de 30% do tráfego rodoviário
de mercadorias de mais de 300km para o modo ferroviário. Ver:
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwehzNhuEExKreHeAex
O que propomos?
·
A retirada da competência da definição
estratégica aos AEIE
·
Sua atribuição ao CSOP apoiado em estrutura
hierarquicamente autónoma com técnicos
da CP/REFER e por concurso público
·
Realização pelo CSOP de sessões abertas de
esclarecimento e recolha de sugestões num processo integrado na preparação do
plano nacional de investimentos PNI 2030
·
Preparação urgente de um calendário de
realização da parte portuguesa da rede básica TEN-T de 2030 para submissão a
fundos comunitários, incluindo análise de custos benefícios e comparação com
alternativas
Obs.- estimativa de 12.000
milhões de euros, construção até 2030 e financiamento por 30 anos
·
Ação diplomática junto de Espanha e França para
desbloqueamento dos constrangimentos para cumprimento do objetivo 2030
Sem comentários:
Enviar um comentário