domingo, 8 de março de 2020

Uma proposta em 2004 de protótipo de transportador de camiões por ferrovia


artigo no Jornal da Marinha em março de 2020:


             O Estado e o medo da inovação


Não sei se os empresários do nosso concelho têm a consciência plena da importância que a ferrovia interoperável com o resto da Europa tem para as exportações portuguesas. Apesar de sabermos que presentemente as exportações por camião servem perfeitamente para enviar os nossos produtos - moldes, sistemas e componentes para automóveis e garrafaria -  para França, Alemanha ou Holanda, no futuro será diferente. As directivas e os apoios financeiros da União Europeia destinados à criação de uma rede ferroviária interoperável entre todos os países europeus e a liberalização do mercado ferroviário criará uma pequena revolução na logística da Europa. Podemos considerar que essa revolução é positiva ou negativa de acordo com os nossos interesses individuais, mas não devemos ignorar o seu alcance.

O que está na base das decisões de Bruxelas é impedir o atravessamento dos países europeus por camiões. As razões são ambientais, energéticas,  de congestionamento e de mortes nas estradas, além do menor custo do transporte ferroviário. Acresce ainda que, como o transporte  rodoviário é mais eficiente nas entregas industriais, "just in time", iremos assistir ao crescimento do transporte de camiões carregados em plataformas ferroviárias, nas entregas a grandes distâncias. 

A propósito, há anos que, com outros cidadãos interessados na ferrovia e, entre eles, o saudoso professor Veiga Simão, apresentámos ao governo de Durão Barroso o projecto de uma plataforma ferroviária original para o transporte de camiões por ferrovia. Como é habitual entre nós, o governo não entendeu o alcance do projecto e nada fez para o apoiar, apoio que era apenas para fabricar um protótipo a apresentar em Bruxelas. 

Presentemente, a liberalização do mercado ferroviário, em que várias empresas podem utilizar as infraestruturas dos diferentes países, aumentará a concorrência e assistiremos a uma descida dos preços, o que já está a acontecer em Espanha para passageiros. Infelizmente, Portugal, com a manutenção da bitola ibérica, ficará de fora desta revolução e as exportações portuguesas terão preços acrescidos, na medida em que os comboios internacionais não poderão entrar em Portugal. Razão dada pelo anterior ministro das Infraestruturas para manter a bitola  Ibérica que, segundo disse, evitará a concorrência internacional.  Felizmente, alguém enviou o ministro para Bruxelas governar a vidinha e evitar dizer em Portugal mais asneiras sobre a ferrovia. 

Em Portugal os governos e, em particular o Governo do PS de António Costa, todos falam em inovação, em modernização e assistem anualmente embasbacados ao Web Summit, mas, na prática, por falta da formação adequada e por medo da mudança, são o principal factor do
atraso nacional relativamente à generalidade dos outros países europeus. A ferrovia é uma das mais trágicas demonstrações desta incapacidade de governar para o futuro. 

Há bastantes anos apresentei em Coimbra, no Instituto Pedro Nunes, uma pequena comunicação a que chamei "As Três Fases da Inovação", onde introduzi o conceito da "Inovação de Estado," procurando demonstrar que existem áreas em que apenas o Estado, ou um conjunto de Estados, como é o caso da União Europeia, têm o poder  necessário para adoptar e organizar um certo tipo de inovações que transcendem o poder das empresas. Infelizmente, ninguém ligou ao assunto e continuamos a fazer asneiras sempre que surgem oportunidades para mudar inovando.

Não poucas vezes, dou comigo a pensar no número de oportunidades para inovar desperdiçadas pelos governos em Portugal, quando nem mesmo quando a União Europeia paga uma grande parte da despesa aceitamos a mudança, como é caso presente da ferrovia. Pessoalmente, tenho respeito pelo voluntarismo e pela determinação do Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, mas apesar da sua relativa juventude, azar dos deuses, é um militante tão convicto  das suas próprias verdades que não se dá conta de que apenas as verdades que sobrevivem ao tempo são verdadeiras. Ora as ideias do Governo para as obras públicas, não sobreviverão ao tempo e em poucos anos lamentaremos as decisões deste Governo, como lamentamos hoje os erros dos governos de José Sócrates. Nem mais, nem menos, apenas o mesmo.

02-03-2020 Henrique Neto ,

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