Graças à ADFERSIT, foi divulgado um excelente artigo do eng.Arménio Matias, focando a questão da interoperabilidade ferroviária e da inoperancia de outros empreendimentos públicos, que foi desfavoravelmente comentado por dois técnicos da IP. Ver em
https://adfersit.pt/noticia/620/novas-linhas-ferroviarias-que-bitola
Dado que o meu comentário excede o limite de carateres do site da ADFERSIT, transcrevo-o aqui:
Caros comentadores – Permito-me juntar alguns comentários que perdoarão atendendo aos meus cabelos brancos, uma vez
que na minha vida profissional, no metropolitano de Lisboa, apenas tive de
lidar com o limite de 13 toneladas/eixo, longe portanto das 25 toneladas/eixo
dos mercadorias. Mas acompanhei, graças à participação numa comissão de
normalização, o trabalho de modernização desenvolvido pela CP e REFER na última
década do século XX e na primeira do
século XXI, nomeadamente no domínio da sinalização (épica, a colocação em
serviço da sinalização do nó de Campolide). Concordo por isso com a afirmação
aqui produzida de que existem em Portugal muitos bons técnicos. E acrescento
que os encontramos tanto entre os que defendem a exclusividade da bitola
ibérica como entre os que apelam o cumprimento até 2030 dos regulamentos 1315 e
1316/2013, concretamente a parte portuguesa das redes “core” transeuropeias
TEN-T. Para mim não deveriam por isso ser utilizadas expressões como
“ignorantes de bancada”, como já li noutros comentários, ou “desinformação e
desconhecimento técnico”, ou “deshonestidade intelectual”. Sendo técnicos,
podemos cingir-nos a argumentos técnicos e cálculos.
Por exemplo, só após
comparativo de análises de custo-benefícios executadas segundo as normas em
vigor na EU poderemos dizer se o traçado A para 250 km/h ou para 350 km/h ou os
traçados B e C para essas velocidades máximas, qual das alternativas deve ser preferida, contabilizando para as
várias alternativas o valor da hora dos passageiros, as emissões durante a
construção e a operação, estimativa de crescimento económico para as regiões
envolvidas, estímulo turístico …o que exige estudos prévios e informação
pública dos diferentes passos. Isso faz-se em Espanha, muitas vezes com
lentidão, mas faz-se. Dada a extensão da tarefa, apesar de haver know-how em
Portugal para o fazer, eu sugiro que nalguns casos, para poupar tempo, se faça
um concurso internacional para o estudo das alternativas. Não é vergonha nenhuma,
colaborámos no metropolitano com alguns consultores internacionais , mas selecionados por concurso.
Sobre a “ligeireza” e
“falácia” na proposta de tráfego misto convirá fazer algumas pormenorizações. O
acidente na Dinamarca de 2 de janeiro de 2019 na ponte do Great Belt ilustrou o
risco do cruzamento de comboios de passageiros e de mercadorias, um semireboque
estava mal espiado. O acidente da Adémia de 1 de abril de 2017, felizmente sem
vítimas, também relacionado com a manutenção de vagões. A justificação para o
tráfego misto (formalizada em Espanha pela resolução da Secretaria de Estado de
julho de 2011 que determina a bitola UIC nas linhas novas incluindo o tráfego
de mercadorias) consiste na
rentabilização do investimento numa linha para a qual, pelo menos de início,
não haverá tráfego de passageiros que por si só
conseguisse essa rentabilização. Então a solução poderá ser reservar o
período noturno para a circulação exclusiva de mercadorias. Em alternativa,
para permitir os 250 km/h, aumentar o entrevias, embora isso encareça a
construção. Assim que o tráfego de passageiros o justifique, “enchendo” todo o
diagrama diário, o tráfego de mercadorias poderá passar para a linha convencional
progressivamente convertida para UIC através da substituição de travessas por
travessas de 3 carris (não de 4 carris) ou adição do sistema SINAV. Não foi
este o plano para a linha Madrid-Badajoz no troço Plasencia-Badajoz, em que
foram aplicadas travessas polivalentes para 4 carris, mas é o procedimento
sistemático no corredor mediterrânico, com utilização de travessas de 3 carris
nos troços de ligação entre a rede convencional e a nova rede UIC (não parece
possível, considerando a dinâmica das obras do corredor mediterrânico,
considerar uma “falácia” a politica
ferroviária espanhola). Poderia ser o
caminho para a nova linha Lisboa-Porto -Vigo (o troço Porto-Vigo faz parte da
rede “comprehensive” ou complementar TEN-T
para 2050, mas deveria rever-se o regulamento 1315 para o incluir na
rede “core” para 2030) a construir de raíz em UIC. As ligações complementares
seriam com travessas de 3 carris para utilização pelo material circulante UIC
(confesso o desconhecimento da velocidade máxima para que estarão homologadas
as travessas de 3 e 4 carris e o sistema SINAV, mas duvido que o estejam para
mais de 250 km/h dada a proximidade das fixações, o que dificultaria o objetivo
anunciado de Lisboa-Porto em 1h15min utilizando travessas polivalentes). Assim
se evitaria a preocupação manifestada com grandes investimentos em material
circulante, dispensando para as ligações complementares exemplificadas (que
poderiam continuar a ser utilizadas pelo material circulante convencional que
seguiriam temporariamente pela linha convencional Lisboa-Porto-Braga ou
proceder o transbordo de passageiros nas estações de alta velocidade,
justificado pelo ganho de tempo e por sistemas de despacho de bagagens) a
utilização de material circulante de eixos variáveis, de fornecimento mais
demorado para fabricantes não espanhois , e, no caso dos vagões de mercadorias,
mais pesado e mais exigente em termos de manutenção.
Como muito bem refere
o eng.Arménio Matias, a adoção da bitola europeia é um fator da competitividade
da nossa economia na EU e as previsões de tráfego não podem ser feitas apenas
com a realidade atual (tráfego ferroviário para a Europa além Pirineus nulo).
São os regulamentos 1315 e 1316 que o fundamentam, nomeadamente com a fixação
da rede “core” em Portugal: Sines/Lisboa-Porto/Leixões (a acrescentar na
revisão Leixões-Vigo) + Aveiro-Almeida-Salamanca +
Sines/Lisboa-Poceirão-Badajoz , e com a transferência de 30% do tráfego
rodoviário para os modos marítimo e ferroviário. Recorda-se que transporte
rodoviário e aéreo são mais poluentes e que o tráfego marítimo é menos rápido
(e em muitos casos mais poluente apesar de energeticamente mais eficiente por
unidade). Em 2019 o valor das exportações por todos os modos para o conjunto
Alemanha e França superou o valor das exportações para Espanha, situação que se
manteve em 2020 (pelo menos até outubro). Sendo verdade que o tráfego terrestre
de mercadorias para Espanha supera em toneladas o tráfego para Alemanha e
França, a diferença em valor é reduzida o que indicia produtos exportados para
Espanha de menor valor acrescentado. Não
parece assim haver justificação para o incumprimento dos regulamentos para
ligação interoperável à Europa além Pirineus,os quais, para mais, garantem
cofinanciamento. Esta é a posição de parte significativa do meio empresarial
português, especialmente ligado ao setor exportador.
Sobre a relação de uma
“administração pública qualificada”, trata-se de um assunto delicado. Sabe-se
da tentação dos governos de utilizar técnicos para defender os seus objetivos.
Sabe-se como é difícil aos técnicos defenderem os argumentos técnicos que se
lhes opõem. A minha experiência pessoal é, por exemplo, na mobilidade na área
metropolitana de Lisboa e na expansão do metro. A administração pública impôs a
linha circular, contra o parecer dos técnicos com experiência de manutenção e
de operação (não há garantias para os técnicos no ativo de contrariarem, com
argumentos técnicos, a decisão), ocultando os cálculos do consultor em que se
baseou o EIA, recusando a correção dos erros contidos no EIA e indo ao cúmulo
de contrariar uma lei da Assembleia da República (faço aqui o paralelo á
oposição ao cumprimento dos regulamentos 1315 e 1316, uma vez que estes têm, de
acordo com o direito comunitário, força de lei). Não posso subscrever a
confiança na administração pública. É verdade que o metro depende de outro
ministério que não o das infraestruturas (particularidade curiosa, esta nossa),
e que se reconhece o apoio deste ministério á recuperação das empresas
ferroviárias portuguesas. Mas voltando ao tema da mobilidade na AML, como
justificar a sobrecarga da linha norte-sul com a ligação à linha de Cascais,
que é uma linha suburbana que se justificaria integrada no metropolitano (como
semelhantemente se fez na área metropolitana do Porto) em vez de estudar uma
grande circular externa suburbana atravessando o Tejo, ou a recusa de
considerar uma expansão do metro para correspondencia com a linha do oeste por Loures e Malveira, ou simplesmente a
recusa de concessão de uma audiência para debate aberto da questão da
interoperabilidade?
E contudo, é o que a
“administração pública” tem anunciado, um debate aberto e informado sobre a
questão ferroviária no PNI 2030 e no plano de recuperação. Gostaria muito de
acreditar, mas tenho muitas dúvidas. E tenho uma provocação ainda a fazer,
relacionada com a natureza do debate. Reuni alguma informação, incluindo de
Espanha, sobre a interoperabilidade e as ligações à Europa. Estão lá factos e
argumentos. É um repositório longo, com muitas ligações. Mas um debate
informado exige documentação. Foi o que tentei. Muito gostaria que corrigissem
o que lá estará mal, mas que considerassem o que lá está certo.
É esta a ligação :
https://manifestoferrovia.blogspot.com/2021/01/repositorio-sobre-as-interligacoes.html
ou, em Word:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwevVYTdLBIHfozzSZO?e=mypZY5
Grato à ADFERSIT pela divulgação e votos de saúde para todos.
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