Básicamente há duas posições sobre a questão da bitola (ou
melhor, sobre os parâmetros de interoperabilidade que autorizam os comboios a circular
sem interrupção em toda a União Europeia: alimentação de 25 kV, comboios de
mercadorias de 740 m, ERTMS ou sistema de controle por comunicações bidirecionais
via-comboio, e bitola de 1435 mm):
1 - A posição do governo português e da IP que
pretende ir modernizando a rede existente de bitola ibérica ou construir alguns
acrescentos como Évora-Elvas, sem investir em linhas de bitola UIC de 1435 mm .
Argumentos:
- poupar o investimento em linhas novas de bitola UIC
- ser possível o transporte internacional
de mercadorias com bitola ibérica com recurso a
transporte até plataformas logísticas
espanholas em Espanha, perto da fronteira, para distribuição por Espanha ou
transporte em bitola ibérica até Irun ( ou plataforma logística de Vitoria com
previsão de ligação a França por bitola UIC em 2023) ou Barcelona para
transbordo e seguimento para o resto da Europa em comboios de bitola UIC . O
transbordo é feito normalmente por pórticos que transferem os contentores de um
comboio para outro. Existe um método alternativo em uso na fronteira
chino-russa que consiste na suspensão do vagão e mudança dos bogies.
- ser possível o transporte internacional de mercadorias com
bitola ibérica com recurso a
utilização de vagões com eixos
variáveis, com mudança automática a baixa velocidade da distancia entre as
rodas em instalações específicas. Solução em fase final de homologação em Espanha
- construção dos novos troços de ligação a Espanha, como Évora-Elvas,
com travessas polivalentes que numa primeira fase têm os carris conforme a
bitola ibérica e numa segunda fase após mudança das fixações dos carris
conforme a bitola UIC. Objetivo: mudar
bitola das linhas para Espanha em sincronia com a chegada da bitola UC à
fronteira portuguesa
- ser possível o transporte internacional de passageiros com
bitola ibérica com recurso a comboios de eixos variáveis, solução praticada já
em Espanha
2 - A posição do grupo de 29 subscritores da carta para a
Comissária Europeia de Transportes que, sem pretender alterar a bitola da
rede existente, defende o cumprimento dos documentos da Comissão Europeia
relativos à rede transeuropeia de transportes: White Paper de 2011, regulamentos 1315/2013
(redes TEN-T) e 1316/2013 (CEF) , e tratado de funcionamento da UE (artigos 170
a 172). O objetivo é ter o mapa da rede “core” com as novas linhas do corredor
Atlantico para tráfego misto (passageiros e mercadorias) concluídas até 2030
com satisfação de todos os parâmetros da interoperabilidade. Linhas componentes
do mapa, par as quais existe financiamento comunitário mediante elaboração dos
projetos e análises de custos-beneficios:
- Sines-Lisboa-Porto-Leixões
-Sines/Lisboa-Poceirão-Caia-Madrid
- Aveiro-Mangualde-Almeida-Salamanca
Argumentos do grupo:
- apesar da pandemia, o valor dos
bens exportados por todos os modos para França e Alemanha juntas continua a ser
superior ao valor dos bens exportados para Espanha, sendo zero por ferrovia
Isto sugere o desenvolvimento das ligações ferroviárias à Europa além Pirineus
em bitola UIC e a reconversão das empresas de camionagem, aliás alvo de cada
vez mais restrições ambientais, nomeadamente com recurso ao transporte de camiões
ou reboques em comboios.
- o investimento em novas linhas
de bitola UIC ( para o qual há financiamento comunitário) será parcialmente
compensado pela poupança energética do transporte devido a menores pendentes e
curvas comparativamente com as linhas existentes
- igualmente haverá poupança de
tempo e custos por se evitar o transbordo (rotura de carga), o qual exige dois
comboios em vez de um
- os inconvenientes dos eixos
variáveis no transporte de mercadorias são o preço mais elevado dos vagões, maior
peso (menor carga útil comparativamente) e necessidade de envio de equipa
técnica no caso de avaria em país distante
- os eixos variáveis são específicos
de poucos fabricantes , constituindo por isso uma limitação para a maioria dos
operadores por encarecer o transporte. De acordo com os próprios fabricantes, o
objetivo dos eixos variáveis, tal como as travessas de 3 fixações
(contrariamente às travessas polivalentes, permitem a utilização por comboios
de bitola fixa ibérica e comboios de bitola fixa UIC), é o de viabilizar
períodos de transição entre troços de bitola ibérica para bitola UIC (por
exemplo, o proposto troço novo Porto-Soure para a linha do norte poderia ser construído
com bitola UIC, passando os comboios do troço novo para o troço existente de
bitola ibérica enquanto a linha nova não fosse concluida)
- soluções transitórias como os
eixos variáveis, as travessas de 3 fixações e as travessas polivalentes são utilizadas
em Espanha como recursos no período de transição. Espanha não só desenvolveu a
rede de passageiros de alta velocidade como está desenvolvendo linhas de bitola
UIC para tráfego misto, funcionando já a ligação em bitola UIC de Barcelona para
França, prevendo-se de Vitória para França em 2023 e de Valencia para França em
2026.
Conclusão: Critica-se pois
o governo português por não coordenar com Espanha o planeamento das ligações
ferroviárias à Europa além Pirineus para potenciar as exportações.
A própria CE já criticou em 2020
os governos português e espanhol por não coordenarem o avanço do corredor
Atlantico integrado nas redes TEN-T/CEF.
O Tribunal de Contas Europeu
(European Court of Auditors) desde 2016 que vem criticando os governos que não
promovem com eficácia o transporte ferroviário.
Portugal, que já tem um processo
de infração por incumprimento de regras de segurança ferroviária, arrisca-se
assim a novo processo.
Critica-se também a apresentação
das travessas polivalentes como solução de fácil transição, quando o facto do
troço Évora-Elvas estar em via única, contrariamente ao que a ADIF espanhola fez
na linha de Badajoz, condicionará gravemente a transição para a bitola UIC
(estimativa de 1 km/dia).
Mais informação:
https://manifestoferrovia.blogspot.com/2020/06/a-discussao-bitola-iberica-bitola-uic.html
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