No seguimento da divulgação da carta para a Comissária dos Transportes, Adina Valean (ver https://manifestoferrovia.blogspot.com/2020/08/carta-para-comissaria-europeia-de.html ) , a TVI24 emitiu em 31 de agosto o seguinte programa e debate:
https://tviplayer.iol.pt/programa/jornal-das-8/53c6b3903004dc006243d0cf/video/5f4d61550cf2e21cf3318b85
https://tvi24.iol.pt/videos/economia/nao-e-a-bitola-que-impede-a-ferrovia-de-ser-competitiva-e-eficiente/5f4d65e50cf2e21cf3318b91
e o jornal on line "i" publicou o seguinte artigo:
https://ionline.sapo.pt/artigo/707289/a-questao-da-bitola-que-divide-opinioes-e-vai-decidir-o-futuro-da-economia-?seccao=Dinheiro
O programa televisivo suscitou o seguinte comentário:
Certamente devido às deficientes condições de áudio proporcionadas pelo Skype neste interessante debate sobre a questão das bitolas ferroviárias (ibérica vs europeia/internacional), os espectadores da TVI acabaram por apenas ficar a conhecer os argumentos do representante da Medway, Carlos Vasconcelos, naturalmente defendendo os interesses da sua empresa, como lhe compete, o que seria expectável, mas ficou por se perceber os pontos de vista de Henrique Neto, usualmente mais vocacionado para colocar os interesse nacionais acima dos deste operador ferroviário do grupo MSC.
Desta falta de confrontação de argumentos e da invocação de dados falsos por parte do entrevistado presente, como se exemplifica a seguir, é de recear que os telespectadores da TVI tenham ficado com uma ideia errada do que está em causa e que, por isso, de aguardar que a TVI promova o seu esclarecimento pela forma que entender mais adequada.
Vejamos, então, as "gafes" que o dr Carlos Vasconcelos se permitiu fazer, achando-se sem contraditório presente :
1) Nem a UE nem o documento "Portugal, uma ilha ferroviária" propõem alterar a rede ferroviária de bitola ibérica existente e muito menos acabar com ela ou fazer uma rede de bitola internacional no seu lugar. Nem em Portugal nem em Espanha. Isso teria um preço astronómico e demoraria várias décadas. Ambas as redes de bitola ibérica têm de continuar a servir, sem interrupção, os polos industriais e logísticos actuais ;
2) O que a UE propõe é um Plano de 9 Corredores Ferroviários, 2 dos quais servindo a Península Ibérica (o Corredor Atlântico e o Corredor Mediterrânico) assegurando a completa interoperabilidade entre todos o Países, o que implica que tais corredores tenham as mesmas especificações técnicas, não só a bitola internacional como e electrificação e os sistemas de comunicações e controlo de tráfego.
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figura 1
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3) Este Plano (ver figura 1) é para estar cumprido até 2030 e conta com co-financiamentos a fundo perdido da ordem dos 72 % para o QCA 2021-2027, sendo que no actual QCA 2014-2020 eram de 85 % e Portugal perdeu-os todos em favor de Espanha e dos Países de leste, por não ter candidatado qualquer projecto. O que agora parece ir de novo acontecer; E isto é grave :
4) Neste Plano, Portugal é contemplado com o Corredor Atlântico, que tem 2 ramos, um a norte (Aveiro-Vilar Formoso ou Almeida) e outro a sul (Lisboa/Sines-Badajoz) e ainda uma linha de costa, desde Sines a Leixões, para interligação dos nossos portos atlânticos ;
5) Ficaríamos, assim, com 2 redes independentes e de bitolas diferentes, mas com pontos de interligação entre ambas, tal como em Espanha ;
6) Portanto, o que está em causa são, basicamente, 2 ligações internacionais directas com toda a Europa e 1 eixo atlântico, ligando Sines a Leixões. Em bitola internacional e co-financiadas pela UE, pois há interesse europeu nesta porta atlântica, atendendo quer à intensidade do tráfego marítimo e intercontinental existente ao longo da nossa costa (ver figura 2), quer ao objectivo de retirar o maior número possível de camiões das estradas europeias, por razões ambientais, de segurança rodoviária e para reduzir a importação de combustíveis fósseis, em que a Europa é deficitária, de acordo com o definido no regulamento 1315/2013 da UE ;
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figura 2
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7) Como os comboios de Medway são de bitola ibérica é natural que em Espanha encontrem diferentes valores de tensão da catenária, mas isso só se aplica à bitola ibérica espanhola, não às linhas de bitola internacional, pelo que não se percebe a invocação de que seria uma dificuldade adicional no caso da bitola internacional ;
8) Quanto às linhas de bitola ibérica da rede nacional não terem resguardos de 750 m nas estações, de terem pendentes (inclinações) elevadas e curvas apertadas, tudo isso é verdade, mas é a rede centenária para a qual a Medway concorreu e para a qual adquiriu o material circulante da CP Carga. Fazer nela as correcções pretendidas sai mais caro do que construir uma linhas novas com as características adequadas. E de via dupla, em vez da via única existente, que condiciona fortemente e exploração e qualquer alteração.
9) Daí que o interesse da Medway seja evitar ou atrasar o mais possível a bitola internacional em Portugal (a Espanha conta ter a sua parte do Plano concluída em 2023), mesmo que isso implique redução da competitividade do País e penalize a nossa economia. A explicação para mais esta aberração nacional foi, segundo a comunicação social, dada pelo então Ministro Pedro Marques : É para evitar a concorrência ! (leia-se internacional)
E não é estranho que as IP-Infraestruturas de Portugal alinhem pelo mesmo diapasão ? Quem lhes terá dado semelhantes instruções ?
Por sua vez, o artigo do jornal "i" provocou uma nota de imprensa do MIH , que teve o comentário que a seguir se transcreve:
- Nota de imprensa do MIH
https://ionline.sapo.pt/artigo/707538/direito-de-resposta?seccao=Opiniao_i
- Comentário à nota do Ministério das Infraestruturas
O Ministério das Infraestruturas (MI) publicou uma nota sobre o artigo “A questão da
bitola que divide opiniões e vai decidir o futuro da economia”.
Em resposta a esta
nota, solicita-se a publicação da seguinte nota, em que se comenta a nota do MI frase
a frase:
“O Governo volta a reafirmar que Portugal gere, desenvolve e planeia a sua rede
ferroviária mantendo a continuidade de bitola nas suas fronteiras”.
Esta afirmação é falsa ou parte-se do princípio que a Espanha nunca construirá os
últimos troços em bitola europeia para as nossas fronteiras.
Num documento da IP
intitulado “Interoperabilidade da rede ferroviária nacional”, datado de 8.8.2017,
mostra-se claramente, na parte que se transcreve a seguir,que Portugal não tenciona
começar a construir linhas em bitola europeia antes de a Espanha a colocar nas
nossas fronteiras. Nessa situação a bitola seria diferente de ambos os lados da
fronteira.
“Avançar, neste momento, com a construção de linhas em bitola europeia em Portugal
significaria introduzir quebras de bitola na fronteira e na rede nacional”
Nas fronteiras isto é falso. O argumento da IP pressupõe que a construção da rede
ferroviária de bitola europeia em Portugal será instântanea e assim teríamos a bitola
europeia nas fronteiras antes de Espanha.
A Espanha começou a construção da rede
de bitola europeia há mais de 30 anos, e ainda falta bastante para ter a rede de bitola
europeia em todas as suas principais cidades e plataformas logísticas.
Portugal já
deveria ter começado para não se atrasar mais em relação a Espanha.
“Os principais corredores da rede ferroviária nacional estão integrados no corredor
Atlântico, estando a implementar as normas de interoperabilidade em articulação com
a rede espanhola”.
É falso. De acordo com o artº 39 do Regulamento 1315/2013 da UE, os Corredores
da Rede Principal, incluindo o Corredor Atlântico, têm de ser feitos em bitola europeia
e o que está ser feito em Portugal é tudo em bitola ibérica.
“Neste momento, não existe nenhuma data para que, do lado espanhol, se migre para
bitola europeia qualquer uma das ligações a Portugal”
É verdade, e é tudo por culpa do Governo português ter decidido não construir linhas
em bitola europeia.
Por que razão a Espanha faria linhas em bitola europeia até à
nossa fronteira, se depois não teriam continuidade do lado português? Só com
acordos entre ambos os países, com construção simultânea em ambos os países, se
pode alterar esta situação.
“Também não está em curso uma migração de bitola generalizada em toda a rede
espanhola”.
O que está em curso em Espanha é a ligação em bitola europeia (através de linhas
novas, e migração de bitola ou introdução do 3º carril em linhas existentes) das
principais cidades e plataformas logísticas entre si e a França, mantendo a actual
rede de bitola ibérica pelo menos por mais umas décadas.
É isso que Portugal deveria
fazer e não faz, para evitar o isolamento ferroviário e o consequente isolamento dos
mercado europeus para onde se destinam 70% das nossas exportações.
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