quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Cartas para a European Union Agency for Railways (ERA) e para Innovation and Networks European Agency (INEA) em dezembro de 2020

 No seguimento da troca de correspondência com a Comissária dos Transportes e a DG Move de Julho a Dezembro de 2020, o grupo do Manifesto decidiu contactar a agência ERA , garante da segurança  e interoperabilidade ferroviárias da Europa, e a agência INEA, gestora do plano das redes transeuropeias e seu cofinanciamento, pedindo-lhes parecer sobre a política ferroviária do governo português .

Mensagem enviada:



Caros Srs 

 

Referindo-nos ao regulamento 1315/2013 e 1316/2013 constatamos que o Governo Português: 

-  Não tem definido qualquer calendário para a implementação da parte portuguesa ferroviária do Corredor Atlântico, um dos principais das redes transeuropeias TEN-T.  

- Não coordenou com Espanha e França um roteiro calendarizado para garantir, até à data limite de 2030, a interoperabilidade plena, cumprindo todos os seus requisitos, em qualquer dos 3 ramos do corredor Atlântico (Sines/Lisboa-Caia; Sines/Lisboa-Porto/Leixões; Aveiro- Mangualde-Almeida). 

- Não promoveu a elaboração dos projetos e respectiva análise custo/benefício, em qualquer dos três troços do corredor atlântico, em território português, de modo a viabilizar a sua candidatura a fundos comunitários. 

A política oficial, apoiada e coordenada pelos agrupamentos europeus de interesse económico, constituídos principalmente pelos gestores das infraestruturas, espanhola e portuguesa, tem privilegiado as redes ibéricas de mercadorias, deixando para segundo plano as ligações de Portugal à Europa além Pirenéus e dificultando assim o crescimento das exportações e importações portuguesas com destino ou origem diferentes de Espanha.  

Nestas circunstâncias, como grupo de técnicos independentes, académicos, autarcas e empresários ligados ao setor das exportações, contactámos presencialmente em maio de 2018 a assessoria da Senhora Comissária europeia dos Transportes, Sra. Violeta Bulc, e foi-nos respondido diplomaticamente que a Comissão Europeia (CE) não interfere nas políticas dos governos dos Estados membros. Contactámos seguidamente por correio eletrónico o coordenador do corredor atlântico, Carlo Secchi, mas a resposta foi dada pelo próprio relatório (workplan) de abril de 2018, reconhecendo os atrasos nas ligações transfronteiriças Portugal-Espanha e Espanha-França , e a extensa porção de troços previsivelmente ainda com bitola ibérica nos respectivos itinerários internacionais em 2030.  O relatório de maio de 2020 mantém, com ainda maior grau de pessimismo, esta análise e a previsão.   

Recentemente tomámos a iniciativa de contactar por correio eletrónico a atual Sra. Comissária Adina Valean, manifestando o receio, para além das omissões referidas no primeiro parágrafo sobre os Regulamentos, de que a CE esteja a considerar a construção do novo troço Évora-Caia (perto de Badajoz) e a beneficiação da existente linha da Beira Alta como satisfazendo os critérios de interoperabilidade e usufruir assim do financiamento comunitário. Mas estes são troços de via única e em bitola ibérica, se bem que com travessas polivalentes, para um dia se fazer a migração para a bitola europeia standard (UIC) sem data nem avaliação dos custos inerentes. No caso da linha da Beira Alta , de via simples e traçado antigo, este só parcialmente coincide com o traçado do corredor atlântico norte. No caso do troço Évora-Caia, coincidente com o traçado do corredor atlântico sul, existe a agravante de estar a ser construído para via simples e plataforma para via dupla, mas nas obras de arte a largura dos tabuleiros é, de início, para via simples. 

Através da DG Move recebemos amáveis e diplomáticas respostas aos nossos sucessivos contactos. Assim: 

- por um lado, garantindo interoperability of rail within the Iberian Peninsula and with the rest of the EU is of high importance to the European Commission … new high-speed lines between Lisbon and Madrid, Lisbon and Porto, and Aveiro and Salamanca have to be constructed in UIC gauge” 

- mas por outro lado, afirmando que isso pode ser feito com recurso a travessas polivalentes       ( omitindo que não há um calendário para a mudança de Bitola, que, obviamente, terá de ser feita simultânea e integralmente para toda a linha, impedindo a sua utilização durante um longo período, por se tratar de via única) e “the most significant works that are underway on the core TEN-T network in Portugal are co-financed by the Connecting Europe Facility, the fulfilment of all relevant European Regulations is being scrutinized”  

-  concluindo que a interoperabilidade com o resto da UE  está assegurada “with a high degree of dedication and coordination from both the Portuguese and Spanish Governments and Infrastructure Managers”.  

Pelas razões que atrás expusemos, permitimo-nos discordar das afirmações acima transcritas, que nos foram transmitidas em resposta às nossas cartas (ver anexos). 

De facto o que nós assistimos presentemente do lado de Espanha, é um crescente investimento tanto por meio do orçamento de Estado como por financiamento comunitário, no corredor mediterrânico de ligação aos portos de Valencia e Algeciras, no progressivo aumento dos troços de bitola UIC na linha de Alta Velocidade para a Galiza, na linha de Alta Velocidade Burgos-Vitoria e no arranque dos projetos para os troços entre Madrid e Plasencia em bitola UIC, sem que se indiquem datas para as ligações desta rede de bitola UIC aos dois pontos de entrada na fronteira portuguesa previstos no plano das redes TEN-T. 

Não vemos assim qualquer coordenação entre Portugal, Espanha e França expressa num roteiro calendarizado que permita concluir até 2030 a construção do Corredor Atlântico da Rede Principal em bitola europeia, de acordo com os Regulamentos 1315 e 1316. 

O próprio troço Plasencia-Badajoz foi construído com travessas polivalentes, mas em via dupla, permitindo a posterior migração para a bitola standard europeia.  Tais travessas estão limitadas a 250 km/h e o tráfego de mercadorias para Madrid aparentemente será segregado através da linha existente em bitola ibérica entre Badajoz-Puertollano, sem que esteja acordada entre os dois países, uma data para a bitola UIC (idêntica situação em Burgos-Vitoria, não obstante se tratar de um troço do corredor Atlântico).  

Ainda relativamente ao troço Évora-Caia, não podemos deixar de deplorar a recusa do governo português em retomar no aplicável o projeto já elaborado (e até aprovado pela UE) da ligação Poceirão-Caia em bitola UIC, projecto que já tinha assegurado cofinanciamento da UE, para Alta Velocidade (> 250 Km/h) e para tráfego misto. 

 A cimeira Portugal-Espanha na cidade da Guarda, de 10out2020, mostrou um primeiro ministro espanhol comprometido com o desenvolvimento da ligação de Alta Velocidade entre os dois países, contrastando com a declaração do seu homólogo português adiando-a sine die, demonstrando assim as dificuldades de coordenação. 

Reconhecemos, evidentemente, que a CE não deve imiscuir-se nos assuntos internos dos estados membros, mas através dos órgãos próprios deveria ter uma ideia global do nível de concretização do projecto do Corredor Atlântico que lhe permitisse, jogando com o factor cofinanciamento, contrariar decisões  como a do governo espanhol atrasar o corredor atlântico relativamente ao corredor mediterrânico, ou como a do governo francês atrasar a construção da nova linha Bordeaux-Hendaye em benefício da ligação a Toulouse, ou como a do Governo português de nada construir em bitola europeia até 2030, e sem qualquer plano para posteriormente introduzir a bitola europeia nas linhas do Corredor Atlântico.  

Assim, uma política de cofinanciamentos da Comissão Europeia que deixe para trás alguns troços poderá ter consequências negativas. No nosso caso, aquelas decisões prejudicam gravemente as exportações portuguesas (o valor das  exportações por todos os modos para o conjunto França-Alemanha já excede o valor das exportações para Espanha), agravando a posição já periférica do país, e impedindo o objetivo, determinado pelo regulamento 1316, de Portugal transferir até 2030  30% da carga rodoviária, com destino a mais de 300 km, para os modos marítimo (contudo mais poluente e moroso do que a ferrovia) e  ferroviário. Isso permitirá retirar alguns milhares de camiões diários que atravessam a nossa fronteira, utilizando combustíveis fosseis. 

Relativamente ao atraso na construção dos troços de Alta Velocidade em território português, assinalamos a contribuição para o agravamento das emissões de gases com efeito de estufa devido às ligações aéreas Lisboa-Porto (300 km) e Lisboa-Madrid (600 km) que poderiam ser muito reduzidas com a implementação das respetivas ligações ferroviárias, tal como tem vindo a acontecer em Espanha. 

Estamos perante um problema político, mas queremos que ele seja encarado preferencialmente como um problema técnico, evitando o recurso ao European Court of Auditors (ECA), já de si tão critico sobre a fraca evolução das redes TEN-T.  As soluções técnicas para este problema estão definidas nos regulamentos 1315 e 1316, com força de lei, consubstanciadas nas redes TEN-T, e economicamente justificadas no contexto do plano de recuperação pós pandemia e da promoção da coesão da UE com a consequente melhoria das condições ambientais e redução da dependência europeia dos combustíveis fósseis. Para a implementação dessas soluções, admitimos que possa ser necessária alguma forma de assistência técnica por parte da CE.  

É este o contexto das nossas reivindicações e que fundamenta o nosso contacto com a European Union Agency for Railways (ERA) e a Innovation and Networks Executive Agency (INEA). A ERA enquanto  garante de elevado nível de segurança e de interoperabilidade numa rede europeia sem fronteiras e avaliadora da implementação da legislação europeia afim, e a INEA  enquanto gestora do plano das redes TEN-T e respetivos cofinanciamentos, desejavelmente aplicáveis à materialização do Corredor Atlântico para Alta Velocidade e tráfego misto.    

Solicitamos portanto a vossa melhor atenção na análise desta nossa questão do Corredor Atlântico em Portugal, ficando ao dispor para quaisquer esclarecimentos adicionais que considerem necessários. 

Aguardando os vossos comentários,  apresentam os melhores cumprimentos, os signatários:                                 

 


Dear Srs 

 

Referring to regulation 1315/2013 and 1316/2013, we have noted that the Portuguese Government: 

- has not defined any timetable for the implementation of the Portuguese railway part of the Atlantic Corridor, one of the main trans-European networks TEN-T. 

- did not coordinate with Spain and France a schedule to guarantee, until the deadline of 2030, full interoperability, fulfilling all its requirements, in any of the 3 branches of the Atlantic corridor (Sines / Lisboa-Caia; Sines / Lisboa-Porto / Leixões; Aveiro- Mangualde-Almeida). 

- did not promote the elaboration of the projects and the respective cost / benefit analysis, in any of the three sections of the Atlantic corridor, in Portuguese territory, in order to make it possible to apply for community funds. 

The official policy, supported and coordinated by European economic interest groups, mainly composed of infrastructure managers, Spanish and Portuguese, has favored Iberian merchandise networks, leaving Portugal's connections to Europe beyond the Pyrenees to the background and thus hindering growth Portuguese exports and imports to destinations or origins other than Spain. 

In these circumstances, as a group of independent technicians, academics, mayors and entrepreneurs linked to the export sector, we contacted in person in May 2018 the staff of the European Commissioner for Transport, Ms Violeta Bulc, and we were diplomatically answered that the European Commission (EC) does not interfere in the policies of the governments of the member states. We then contacted by email the coordinator of the Atlantic corridor, Carlo Secchi, but the answer was given by the April 2018 report (workplan), recognizing the delays in cross-border connections between Portugal-Spain and Spain-France, and the extensive portion of sections predictably still with an Iberian gauge in the respective international itineraries in 2030. The May 2020 report maintains, with an even greater degree of pessimism, this analysis and forecast. 

We recently took the initiative to contact the current Commissioner Ms Adina Valean by email, expressing the fear, in addition to the omissions mentioned about the Regulations in the first paragraph, that the Commission is considering the construction of the new Évora-Caia section (near Badajoz) and the improvement of the existing Beira Alta line as satisfying the interoperability criteria and thus taking advantage of community financing. But these are single-track sections and in Iberian gauge, although with multipurpose (polyvalente) sleepers, for one day to migrate to the European standard gauge (UIC), but without a date or an evaluation of the inherent costs. In the case of the Beira Alta line, with a simple track and old layout, this only partially coincides with the layout of the North Atlantic corridor. In the case of the Évora-Caia section, coinciding with the layout of the South Atlantic corridor, there is the aggravation of being built for a single track on a platform for double track, but in the bridges the width of the trays is, initially, for the single track. 

Through DG Move we receive kind and diplomatic responses to our successive contacts. Like this: 

- on the one hand, ensuring that “interoperability of rail within the Iberian Peninsula and with the rest of the EU is of high importance to the European Commission… new high-speed lines between Lisbon and Madrid, Lisbon and Porto, and Aveiro and Salamanca have to be constructed in UIC gauge ” 

- but on the other hand, stating that this can be done using multipurpose sleepers (omitting that there is no timetable for gauge changing, which, obviously, will have to be done simultaneously and in full for the entire line, preventing its use over a long period, as it is a single track) and “the most significant works that are underway on the core TEN-T network in Portugal are co-financed by the Connecting Europe Facility, the fulfillment of all relevant European Regulations is being scrutinized " 

- concluding that interoperability with the rest of the EU is ensured “with a high degree of dedication and coordination from both the Portuguese and Spanish Governments and Infrastructure Managers”. 

For the reasons set out above, we allow ourselves to disagree with these statements, which were transmitted to us in response to our letters (see annexes). 

In fact, what we are currently witnessing on the Spanish side is a growing investment both through the state budget and through community financing, in the Mediterranean corridor connecting the ports of Valencia and Algeciras, in the progressive increase of the UIC gauge sections on the High Speed ​​line to Galicia, on the High Speed ​​Burgos-Vitoria line and at the start of projects for the sections between Madrid and Plasencia in UIC gauge, without specifying dates for the connections of this UIC gauge network to the two entry points in the Portuguese border foreseen in the TEN-T network plan. 

Thus, we do not see any coordination between Portugal, Spain and France expressed in a schedule that will allow the completion of the construction of the Atlantic Corridor of the Main Network in European gauge by 2030, in accordance with Regulations 1315 and 1316. 

The Plasencia-Badajoz section itself was built with multi-purpose sleepers, but on a double track, allowing for later migration to the European standard gauge. Such sleepers are limited to 250 km / h and freight traffic to Madrid will apparently be segregated via the existing Iberian gauge line between Badajoz-Puertollano, without being agreed between the two countries a date for the UIC gauge (identical situation in Burgos- Vitoria, despite being a section of the Atlantic corridor). 

Still regarding the Évora-Caia section, we deplore the Portuguese government's refusal to resume the project already prepared (and even approved by the EU) of the Poceirão-Caia connection in UIC gauge, a project that had already secured EU co-financing, for High Speed ​​(> 250 Km / h) and for mixed traffic. 

The Portugal-Spain summit in the city of Guarda, on October 10, 2020, showed a Spanish prime minister committed to the development of the High Speed ​​link between the two countries, in contrast to the statement of his Portuguese counterpart postponing it sine die, thus demonstrating the difficulties of coordination. 

We recognize, of course, that the EC should not meddle in the internal affairs of member states, but through its own bodies it should have a global idea of ​​the level of implementation of the Atlantic Corridor project that would allow itself, playing with the co-financing factor, to counter decisions like that of the Spanish government delaying the Atlantic corridor compared to the Mediterranean corridor, or that of the French government delaying the construction of the new Bordeaux-Hendaye line for the benefit of the connection to Toulouse, or like that of the Portuguese Government of building nothing in European gauge until 2030 , without any plan to later introduce the European gauge in the lines of the Atlantic Corridor. 

Thus, a European Commission's co-financing policy that leaves some sections behind could have negative consequences. In our case, those decisions seriously harm Portuguese exports (the value of exports by all means for the France-Germany group already exceeds the value of exports to Spain), aggravating the country's already peripheral position, and preventing the objective, determined by regulation 1316, from Portugal to transfer by 2030 30% of the road load, destined for more than 300 km, to the maritime (however more polluting and time consuming than the railroad) and rail modes. This will allow us to remove a few thousand trucks a day that cross our border, using fossil fuels. 

Regarding the delay in the construction of the High Speed ​​sections in Portuguese territory, we note the contribution to the worsening of greenhouse gas emissions due to the aerial connections Lisbon-Porto (300 km) and Lisbon-Madrid (600 km) that could be reduced with the implementation of the respective rail links, as has been happening in Spain. 

We are facing a political problem, but we want it to be seen preferably as a technical problem, avoiding the use of the European Court of Auditors (ECA), which is already so critical about the weak evolution of the TEN-T networks. The technical solutions to this problem are defined in regulations 1315 and 1316, with force of law, embodied in the TEN-T networks, and economically justified in the context of the post-pandemic recovery plan and the promotion of EU cohesion with the consequent improvement of the environment conditions and reducing European dependence on fossil fuels. For the implementation of these solutions, we admit that some form of technical assistance from the EC could be necessary. 

This is the context of our demands and which underlies our contact with the European Union Agency for Railways (ERA) and the Innovation and Networks Executive Agency (INEA). ERA as a guarantee of a high level of security and interoperability in a European network without borders and evaluating the implementation of related European legislation, and INEA as the manager of the TEN-T networks plan and respective co-financing, desirably applicable to the materialization of the Atlantic Corridor for High speed and mixed traffic. 

We therefore request your attention in the analysis of the issue of our Atlantic Corridor in Portugal, and remain available for any additional clarifications that you consider necessary. 

Awaiting your comments,  

Best regards 

 


ANEXOS

1ª carta para a Comissaria em 30jul2020
Manifesto ferrovia: Carta para a comissária europeia de Transportes de 30 de julho de 2020

Resposta da DG Move à 1ª carta em 3set2020:
Manifesto ferrovia: Resposta da DG MOVE em nome da Comissária à carta de 30 de julho de 2020

2ª carta para a Comissaria em 21set2020 
resposta da DG Move à 2ªcarta em 12out2020 
3ª carta para a Comissaria em 19out2020
resposta da DG Move à 3ªcarta em 18nov2020

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